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Mostrando postagens de 2017

A bela morte

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Algo. Alguma coisa. Something . Era o que estava escrito na camiseta com que presenteei meu avô na última noite de Natal. Ele a vestia quando deu seu derradeiro suspiro neste mundo, no final da tarde de 25 de dezembro. Algo grande significava esse homem, não apenas para mim, mas para toda família e amigos. Alguma coisa quase indizível ele possuía como virtude, uma virtude que não tenho. Era um homem que sabia agregar pessoas à sua volta. E que se regozijava com isso. Vô Amilson gostava de estudar inglês, no entanto nunca quis viajar para um país em que pudesse ouvir e falar esse idioma. Talvez porque seu desejo de viajar somente fazia sentido para si quando ele podia levar junto quem amava. Era muita gente. Suas casas de descanso, seja na fazenda ou na praia, viviam cheias. Cheias de amor, de vidas, de vida. Foi avô, foi pai, foi tio, esposo a seu modo. Recentemente também bisavô. Foi médico e professor. Até empregador, e nesta condição admirado pelos funcionários por sua generos

A ilusão dos “check ups” em medicina

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À margem de seres humanos mais ou menos equilibrados, há dois tipos de pessoas com comportamentos antagônicos em relação à saúde preventiva: em um dos extremos, indivíduos cujo comportamento é destrutivo, aqueles que pensam pouco ou quase nada acerca dos cuidados com a própria saúde; na outra ponta, pessoas excessivamente preocupadas com prevenção, aquelas que vivem a “buscar saúde”, e que por isto mesmo deixam de tê-la ou de desfruta-la. É sobre o comportamento desse último grupo que pretendo falar neste texto; trata-se de uma atitude que se pretende saudável, mas que se revela doentia quando cuidadosamente analisada. Refiro-me a algo mais corriqueiro do que a hipocondria, embora possamos apontar diversas semelhanças entre a preocupação excessiva com a saúde e o medo infundado de se estar gravemente doente. Em ambos os casos, os sujeitos almejam ter certeza de que estão bem de saúde. Para cumprir esse objetivo, nos dias atuais, frequentemente o grupo dos preocupados vai ao médic

Quando amamentar pode ser ruim

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Diversas instituições atentas à saúde infantil recomendam que as crianças sejam amamentadas no seio materno até os 2 anos de idade, incluindo o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), sociedades de pediatria e ministérios da saúde. Os benefícios da oferta de leite materno no peito são inequívocos do ponto de vista nutricional, imunológico e afetivo. No entanto, há questões de afeto na interação mãe-bebê que podem não se configurar tão boas assim. É justamente sobre um desses casos de afeto desvirtuado na amamentação que o presente texto pretende falar. Antes de prosseguir, contudo, como se trata de um tema que pode suscitar polêmicas ou mal entendidos, devo ressaltar novamente a importância do ato de amamentar no seio, já frisada no primeiro parágrafo, e deixar claro que nós, homens, jamais teremos experiência em amamentação de bebês como pode ter uma mãe que amamenta ou amamentou. Registradas essas ponderações, analisemos o caso real a seguir. A mãe chegou ao co

Testosterona, Viagra... Onde está o homem impotente?

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Quando um homem se sente impotente, de fato, ele se sente. A impotência sexual é um estado do psiquismo, muito antes de ocasionar qualquer alteração hormonal, a qual, afinal, nem sempre acontece. Claro, em alguns casos a referida condição psíquica pode cursar também com deficiência da testosterona, reconhecida por muitos como o hormônio masculino responsável pela potência sexual. Embora a deficiência de testosterona sérica não seja causa necessária nem suficiente para que um homem tenha dificuldade de ereção, essa associação entre o hormônio e a potência está algo impregnada no imaginário coletivo, levando diversas pessoas que sofrem de disfunção sexual a creditarem ao tratamento hormonal a solução para seus problemas. Todavia, não costuma ser a testosterona tratamento pra muita coisa. A bula da testosterona é muito clara quanto à sua indicação apenas no tratamento de reposição hormonal em homens portadores de condições associadas com hipogonadismo primário e secundário, tanto congên

Antidepressivos, por que os querem tanto?

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Os antidepressivos são psicofármacos úteis em determinados contextos clínicos, entretanto não há como negar que eles têm sido excessivamente prescritos. De quem é a responsabilidade pelo crescente número de prescrições de tais drogas, observado nos últimos anos? Dos médicos? Da indústria farmacêutica? Dos próprios pacientes, sentindo-se incapazes de lidar com suas emoções e querendo uma fuga rápida e artificial de seus problemas? Provavelmente os responsáveis são todos os citados, cada um com sua parcela de “contribuição”. Boa parte dos médicos que clinica tem dificuldade em ouvir seus pacientes. Certa vez demonstrou-se que, durante uma consulta médica, era de apenas 18 segundos o tempo médio para que o profissional fizesse a primeira interrupção na fala do paciente que começava a discorrer sobre suas queixas. Nem os médicos cirurgiões, com o devido respeito aos colegas, deveriam ser tão precipitados nessa interrupção. A impaciência de muitos médicos frente a seus pacientes, som

Hipertrofia de adenoides: uma defesa exagerada

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Um menino de 4 anos de idade se apresenta com respiração bucal predominante. Os pais observam que ele ronca muito e dorme com a boca aberta, algo que favorece infecções de repetição nas vias aéreas. Preocupados, vão à procura de ajuda médica e logo na segunda consulta, frente ao resultado de uma radiografia do cavum do filho, lhes é sugerida a adenoidectomia (retirada cirúrgica das adenoides) como promessa de solução para os problemas apresentados. Será mesmo? Avaliar e tratar uma criança com as características descritas acima por certo não é uma tarefa tão simples como muitos pais e médicos gostariam. Implica investigar o desenvolvimento neuropsicomotor e também o contexto familiar no qual o paciente está inserido, pois dificuldades dos pais sempre reverberam sobre os sintomas de seus filhos. Não raro a adenoidectomia configura-se uma mutilação desnecessária, pois seus benefícios são bastante questionáveis, embora muitos otorrinolaringologistas provavelmente se apressem em dizer o c

Ritalina, crianças zumbis e a morte da criatividade

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Há quem não veja grandes problemas em medicar crianças com Ritalina ® (metilfenidato), embora se trate de uma droga da família das anfetaminas, com mecanismo de ação cerebral similar ao da cocaína. Não é pequena a lista dessas pessoas que aprovam o uso da ritalina. Incluem-se muitos médicos, pedagogos e, principalmente, pais que se dizem dispostos a fazer “tudo pelo bem de seus filhos”, menos a entender aquilo que o comportamento perturbador reflete e a assumir seu quinhão de responsabilidade frente à situação. Entre os médicos que prescrevem ritalina, há certo consenso em dizer que a droga estaria bem indicada para tratar o famigerado transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Este transtorno, entretanto, pode ser considerado uma doença fabricada e excessivamente diagnosticada. Não estou dizendo que o TDAH inexiste, pois é possível apresenta-lo como síndrome clínica na qual se observam determinados comportamentos, contudo seria um disparate científico categ

Aspectos psicossomáticos da obesidade

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Tem-se fome de quê?  A obesidade é uma doença de múltiplas facetas. Não por acaso, costuma ser frustrante restringir a explicação dessa condição a uma mera questão de desequilíbrio energético entre calorias ingeridas e gastas pelo corpo. Embora a alimentação saudável e a prática regular de exercícios físicos sejam ferramentas terapêuticas essenciais para a redução do peso corporal, os aspectos emocionais envolvidos na obesidade também demandam bastante atenção quando se almeja melhores resultados de seu tratamento. Os objetivos desta webpalestra são identificar tais aspectos emocionais e, pautando-se na medicina psicossomática, apresentar métodos profissionais para abordar o psiquismo dos pacientes obesos.

A direita política e as somatizações sem lesão de órgão

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Somatização sem lesão de órgão pode ser um termo estranho para muita gente, mas é algo que todos conhecemos. Trata-se do nome dado à ocorrência de sintomas corporais ( sôma  em grego = corpo) sem que haja uma doença física que os explique adequadamente, tomando por doença física aquela que seja reconhecível por meio de exames médicos ou complementares (laboratoriais, de imagem, etc.). Tal situação ocorre, na verdade, todos os dias, com qualquer pessoa, em graus variados. Grande parte das vezes sequer nos preocupamos com tais somatizações, pois as entendemos como algo passageiro. No entanto, também é bastante frequente que pessoas decidam procurar o médico para esclarecimentos sobre tais sintomas. Por definição, tudo aquilo que se manifesta no corpo é somatização. Um dos pilares da Medicina Psicossomática é a premissa de que todas as somatizações são manifestações psíquicas inconscientes no corpo, ou seja, revelam distúrbios inconscientes através do corpo. Parte importante de qual

Constipação: uma abordagem em perspectiva integral

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A constipação é um sintoma relativamente comum, popularmente conhecido como prisão de ventre. Pode estar presente em distúrbios funcionais do sistema digestivo e também em doenças organicamente evidenciáveis. O objetivo desta webpalestra é propor uma abordagem médica que leva em consideração não apenas a semiologia convencional para os pacientes constipados, mas também as questões inconscientes que podem representar o sintoma. Desta forma, além de indicar tratamento de alívio para a constipação, o profissional de saúde poderá ajudar o paciente a encontrar sua cura.

Método Clínico Centrado na Pessoa: a evolução do método clínico

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Em decorrência da evolução tecnológica, a tendência nos dias atuais é reduzir as explicações para o processo saúde-doença dentro de uma perspectiva objetiva, esvaziando os pacientes de sua subjetividade. Na contramão dessa perspectiva, o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) pode ser visto como um movimento para reconciliar a medicina clínica com a existencial, através da compreensão  de saúde e doença sob o olhar da integralidade.  De fato, o MCCP descreve um modelo de atendimento médico usado com o intuito de garantir que as características de cada pessoa sejam levadas em consideração, capacitando os profissionais de saúde a lidar com a complexidade.  Trata-se de um método com potencial de devolver ao médico um papel que outrora foi-lhe atribuído, mas que vem se perdendo nas últimas décadas face à excessiva fragmentação do cuidado em partes do corpo. O objetivo da webpalestra a seguir é apresentar o MCCP como uma forma de abordagem integral dos problemas de saúde, identi

O HIV de nossos dias

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Não tive a intenção de elaborar este texto com muito rigor científico. Antes, motivei-me em expor algo importante que venho observando através de atendimentos rotineiros na emergência de um hospital geral: o espantoso número de novas notificações de contaminação pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, sigla obtida d o inglês – Human Immunodeficiency Virus ). Sem exageros, durante os 3 anos em que venho atuando naquele hospital, acredito que não passamos uma semana sequer sem diagnosticar pelo menos um caso novo de portador do HIV. Estou falando de casos NOVOS, pessoas que até então não sabiam que carregavam o vírus na circulação, e que provavelmente estavam (ou ainda estão) transmitindo ele por aí. Da prática clínica, percebo nitidamente que a prevalência do vírus é maior na população homossexual masculina, mas também é nítido que sua incidência vem aumentando muito entre heterossexuais. Fato é que as relações sexuais desprotegidas são uma regra em nossos dias (e não é por