O HIV de nossos dias

Não tive a intenção de elaborar este texto com muito rigor científico. Antes, motivei-me em expor algo importante que venho observando através de atendimentos rotineiros na emergência de um hospital geral: o espantoso número de novas notificações de contaminação pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, sigla obtida do inglês – Human Immunodeficiency Virus).

Sem exageros, durante os 3 anos em que venho atuando naquele hospital, acredito que não passamos uma semana sequer sem diagnosticar pelo menos um caso novo de portador do HIV. Estou falando de casos NOVOS, pessoas que até então não sabiam que carregavam o vírus na circulação, e que provavelmente estavam (ou ainda estão) transmitindo ele por aí. Da prática clínica, percebo nitidamente que a prevalência do vírus é maior na população homossexual masculina, mas também é nítido que sua incidência vem aumentando muito entre heterossexuais.

Fato é que as relações sexuais desprotegidas são uma regra em nossos dias (e não é por falta de acesso a preservativos, que são distribuídos gratuitamente em recepções de estabelecimentos de saúde pública ou custam centavos). Ao coito imprudente soma-se, com frequência, a promiscuidade irresponsável.

Outro fato é que as campanhas para se usar camisinha continuam, embora mais tímidas. Por outro lado, a realidade sobre a epidemia do HIV tem andado fora de foco, quando deveriam ser pungentes os alertas sobre ela. Enquanto martelam em nossas cabeças os cuidados que deveríamos tomar contra mosquitos e cânceres, o HIV parece deslocado para plano menos relevante, afinal esse último tem “tratamento” garantido.

O que se apregoa como tratamento para o HIV, como sabemos até o momento, não é mais do que controlar a replicação do vírus, sem elimina-lo, mas muitos pacientes parecem satisfeitos com isso. Já ouvi mais de uma vez expressões do tipo: “Ah, doutor, agora o HIV não é um problema tão grande, posso viver com ele o mesmo tempo que uma pessoa não portadora viveria.” Sim, mas a que custo?

Primeiro, há que se levar em conta o compromisso de tomar a medicação TODOS OS DIAS; obviamente, são muito comuns os casos de tratamento irregular (testemunho isso entrevistando diversos pacientes). Segundo, a ocorrência não desprezível de efeitos adversos, alguns intoleráveis, relacionados aos antiretrovirais. Terceiro, o altíssimo custo financeiro, para todos nós, como sociedade, na aquisição dessas drogas.

Se algum leitor ainda não sabia, no Brasil praticamente todos os tratamentos contra o HIV são fornecidos “gratuitamente” pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Não é preciso fazer cálculos complexos para compreender que gastamos milhões ou bilhões com isso, uma vez que a cifra mensal individual de cada tratamento está na casa dos milhares. E a conta certamente cresce a cada dia, com base nas observações feitas aqui anteriormente. Goste ou não do SUS, use-o ou não, seja portador do HIV ou não, você também paga essa conta.

Então deveríamos nos perguntar: por que a situação do HIV está assim atualmente?

Existem muitas vias para se responder a essa pergunta. Inicialmente, convém não sermos ingênuos em pensar que há interesse da indústria farmacêutica em encontrar a cura para o HIV, mas não me aprofundarei no mérito dessa questão.

Outra via para pensarmos a pandemia do HIV é entendê-lo como um símbolo da carência de amor em nossos dias. Como assim? Explico a seguir.

Vivemos uma época muito sexualizada, embora carente de amor. E quanto mais o amor se divorcia da sexualidade, mais o sexo se torna um mero meio de gratificação física pessoal. Assim, mais depressa as delícias sexuais tendem a empalidecer. Embora a sexualidade seja de grande auxílio para o amor, o sexo por si só não é capaz de nos fazer cumprir o mandamento de amar, ato que implica um encontro honesto com outra pessoa, conhecendo-a e respeitando-a.

Para que haja saúde, sexo e amor devem estar em equilíbrio. Sendo o amor o princípio da destruição de barreiras, da abertura pessoal de um ser humano a outro, o HIV poderia ser interpretado como um símbolo do amor faltante na vida de muitos, pois, a rigor, considerando a evolução natural da infecção por esse vírus, a doença proveniente dele corresponde exatamente ao colapso das forças de resistência do corpo. Trata-se de uma condição clínica amplamente conhecida: a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS, sigla obtida do inglês – Acquired Immunodeficiency Syndrome). 


A AIDS, no entanto, tem sido pouco pensada em termos simbólicos. Contudo, não é por acaso que a cor usada nas campanhas contra ela seja o vermelho, a cor representativa do amor. O HIV de nossos dias não é apenas um microrganismo malvado que detona o sistema imunológico das pessoas infectadas por ele. Antes, o HIV é o mensageiro da falta de amor. E talvez seja justamente o fato de tantos não darem ouvidos à sua mensagem que ele venha aumentando exponencialmente sua propagação.


Comentários

  1. As imagens da postagem foram obtidas livremente em:
    - https://www.browardhouse.org/images/treelgwhite.png
    - http://www.clotho-web.com/wp-content/uploads/2016/02/AIDS.png
    (acesso em 20 fev 2017)

    ResponderExcluir
  2. É triste ver que o HIV ficou de escanteio pois temos outras doenças supostamente mais importantes, existe um custo alto para o tratamento, e quem paga somos todos nós. E sinto também que vivemos sem amor, mas o sexo está disponível em qualquer esquina sem custos, afetos ou compromisso.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Os adolescentes e algumas psicoses do nosso tempo

Sobre violência autoinfligida e a queda do pai na era moderna

A masturbação coletiva e os estudantes de Medicina