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Mostrando postagens de 2015

Atestado médico ou declaração de comparecimento?

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O dilema sobre qual desses documentos o médico deve emitir, conforme a situação do paciente, geralmente se faz presente em muitas consultas. Este texto pretende ser útil para ambas as partes no tocante a essa questão. Para dirimir as dúvidas, comecemos pela seguinte constatação: os médicos podem emitir atestados que sugiram o afastamento do trabalho durante apenas um período do dia. Não é necessário recomendar dispensa de um dia completo de atividades profissionais simplesmente porque o paciente consultou-se no período da manhã, por exemplo, a menos que o médico entenda que o motivo da consulta impeça ou prejudique a execução das funções laborais do paciente durante todo aquele dia (ou mais dias, se for o caso). O Conselho Federal de Medicina (CFM), no documento que normatiza a emissão de atestados médicos, estabelece que o médico, ao elaborar documentos dessa natureza, deve especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a recuperação do paciente .  Perceb

Relato da experiência de um médico na condição de doente

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Era um domingo de céu azul e ar fresco, depois de uma grande sequência de dias chuvosos. Na paisagem que se descortinava à minha frente, a beleza imensa do mar. O cenário perfeito para um passeio com os cães, ansiosos pela liberdade fora do quintal. Coloquei-lhes as coleiras, para isto me agachando. Quando começara o retorno à posição original, de pé, senti súbita e forte dor nas costas, mais precisamente na região lombar. Não atendi ao pedido de repouso feito pela dor e comecei a caminhada com os cães. A cada passo, contudo, ela lembrava-me: algo não estava bem comigo. Aquele dia e os que se seguiram foram permeados por dificuldades para executar até mesmo coisas aparentemente banais, como amarrar os sapatos. Cada movimento meu transformado em martírio. Do mesmo modo que a maioria dos médicos, eu logo montei um modelo explicativo para aquele sintoma e sabia que não estava lidando com nada grave (nem por isso, menos doloroso). Assim, não procurei nenhum colega para me consultar e est

Detecção precoce de câncer no homem versus Prevenção Quaternária

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O câncer não é uma doença nova, mas certamente é uma das patologias mais temidas pelas pessoas na atualidade. Isto pode ser explicado porque, apesar dos avanços no campo da oncologia, a gênese dessa doença permanece misteriosa e seu tratamento habitualmente é difícil e pouco eficaz sob a ótica da medicina convencional.  Em função do cenário posto, há uma grande preocupação em diagnosticar precocemente as neoplasias, visando, em teoria, aumentar as chances de resposta favorável às medidas de combate a elas. Essa preocupação, contudo, se por um lado pode ser benéfica, por outro pode expor as pessoas ao excesso de diagnósticos e de tratamentos, algo que a prevenção quaternária tenta evitar.  Fechando a agenda de novembro com temas voltados à saúde masculina, o objetivo principal da webconferência que você pode conferir no vídeo a seguir foi debater a seguinte questão: é possível haver um equilíbrio entre detecção precoce de câncer e a redução de iatrogenias proposta pela prevenção

Rastreamentos para homens: o que de fato é importante?

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Os exames de rastreamento, popularmente conhecidos como check ups , são um cuidado válido em termos preventivos. Entretanto, rastrear doenças aleatoriamente, sem critérios científicos que embasem a prática, é uma ação que traz mais riscos do que benefícios potenciais à saúde. Neste mês de novembro, uma forte campanha publicitária encoraja cuidados preventivos para a população masculina, focando a detecção precoce do câncer de próstata através do rastreamento. Esta medida, contudo, não está em consonância com as melhores evidências que a ciência disponibiliza até o momento. É mais comum, inclusive, que o rastreio do câncer de próstata, antes de ser benéfico, cause danos, o que fere um dos princípios hipocráticos ao qual todo médico prestou juramento um dia. Na webconferência que você pode assistir no vídeo a seguir, falo sobre rastreamentos, explicando o conceito dessa prática em saúde. Apresento, nesse sentido, os procedimentos que hoje de fato estão recomendados aos homens,

O Novembro Azul muito além da próstata: a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem

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A ideia de divulgar e estimular entre os homens a busca de cuidados preventivos em saúde no mês de novembro tem se fortalecido, notadamente através da campanha “Novembro Azul”. Muitas vezes, no entanto, as ações dessa campanha priorizam o câncer de próstata, negligenciando ou minimizando a importância dos demais agravos à saúde dos homens, por exemplo, doenças cardiovasculares, acidentes, violência, tabagismo e alcoolismo, entre outras condições muito mais relevantes do que a próstata. Primando pela humanização da atenção, e visando a integralidade e a equidade nos serviços de saúde voltados à população masculina, o Ministério da Saúde lançou, em 2008, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. O vídeo a seguir é uma webconferência sobre o tema. Trata-se de  uma oportunidade para pensar a Saúde do Homem na perspectiva da integralidade e refletir acerca do foco reducionista da campanha Novembro Azul. Quer saber mais? Cadastre-se na plataforma do  Telessaú

Os “milagres” do cloreto de magnésio

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Questionou-me recentemente uma colega médica se o medicamento cloreto de magnésio poderia ser utilizado no tratamento de dores articulares e insônia, dois problemas bastante comuns entre pacientes que me procuram no consultório; muito provavelmente no consultório dela também, em virtude da alta prevalência dessas queixas. Pelo que eu sabia até aquele momento, o cloreto de magnésio não tinha efeito terapêutico algum sobre os sintomas mencionados; no entanto, realizei uma pesquisa para tentar fornecer à colega uma resposta cientificamente embasada. Antes de começar minha busca por evidências, porém, perguntei-me de onde teriam vindo as informações que geraram a dúvida da outra médica. Recorri, então, ao Google. De fato, ao realizar na Internet uma pesquisa sem rigor científico, digitando o nome cloreto de magnésio no popular site de busca, encontrei muitas publicações prometendo curas milagrosas, utilizando o cloreto de magnésio, para diversos problemas de saúde. Percebe-se, no ent

Será mesmo o glúten um grande vilão?

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Quase todo mundo já ouviu falar do glúten, afinal ele é um termo utilizado para descrever certas frações de proteínas encontradas no trigo, na aveia, no centeio, na cevada e nos derivados desses cereais, os quais estão presentes em inúmeros alimentos comuns, como a maioria dos pães e massas, por exemplo. Os rótulos de alimentos industrializados, inclusive, costumam informar se o produto contém ou não glúten, pois diversos problemas de saúde têm sido atribuídos ao consumo dessa substância e algumas pessoas são orientadas a evitá-la. O consumo mundial da chamada “dieta mediterrânea”, rica em alimentos com glúten, vem aumentando nos últimos anos, especialmente porque ela tem sido recomendada para reduzir alguns fatores de risco cardiovasculares. Por outro lado, essa dieta expõe mais as pessoas ao glúten e aos possíveis distúrbios a ele relacionados, entre os quais a doença celíaca é o mais conhecido, com prevalência em 1% da população. A doença celíaca pode ser definida como uma

Anticoncepção além da pílula

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O planejamento familiar é um direito das pessoas, embora não seja exercido em inúmeras circunstâncias. Muitas vezes ele não é levado a termo em virtude de pulsões sexuais transformadas em ato irresponsavelmente, através de coitos desprotegidos. Outras vezes, no entanto, observa-se que as pessoas abdicam de seu direito por mera ignorância em relação às diversas possibilidades de métodos contraceptivos, ainda que a maioria deles seja distribuída gratuitamente através do sistema público de saúde. Embora a primeira situação seja de compreensão difícil, aplacar parte do desconhecimento sobre anticoncepção pode ser viável às pretensões deste texto. Comecemos chamando a atenção para a condição do grupo de mulheres mais próximo da menopausa. Antes de pararem definitivamente de produzir óvulos, geralmente em torno dos 50 anos de idade, as mulheres costumam vivenciar um período longo de irregularidade menstrual. Nesta fase irregular ainda há possibilidade de engravidar, portanto o planejamen

Breve comentário sobre a pílula rosa

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Foi destaque durante esta semana no noticiário internacional a “pílula rosa”, que tem como princípio ativo a flibanserina. Quando parecia que já tínhamos visto tudo o que era possível em termos de medicalização do ser humano, ela apareceu com a prepotência de anunciar que "desperta o desejo feminino pelo sexo". Pior que esta bobagem imensurável é saber que vai haver uma avalanche de mulheres, em corrida desesperada às farmácias, tão logo as primeiras caixinhas da medicação cheguem às prateleiras. Desejo, por definição, jamais poderá ser medicado, pois isto seria o mesmo que abrir mão da condição humana. A grande doença da maioria das pessoas é exatamente o fato de não darem conta de assumir os próprios desejos, nem mesmo o desejo de não transar (afinal, que grande absurdo seria não querer sexo hoje em dia, não é mesmo?). Parafraseando Dethlefsen e Dahlke, a medicina convencional promete, com suas pílulas mágicas, restaurar corpos e mentes humanos com diversos tipos d

Enurese, o xixi repleto de significado

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Um colega de profissão questionou-me sobre um caso de enurese noturna, o famoso “xixi na cama”, em um menino de 7 anos de idade. A dúvida era sobre a abordagem indicada para essa criança, pois até o momento ela teria recebido apenas tratamento psicológico, sem resolução de seu problema. Na apresentação do caso, o colega mencionou a história familiar do menino como “sem importância para o caso”. Eis aqui, provavelmente, a principal dificuldade do médico em ajudar seu paciente: não considerar o contexto. A história familiar tem importância sim, e muita, para o caso dessa criança. Somente a partir deste entendimento, poderemos pensar na possibilidade de cura. Conhecer o funcionamento da família da qual a criança faz parte, bem como outros aspectos de seu contexto social, é parte fundamental da investigação e do manejo dos casos de enurese, pois as causas psíquicas são fatores preponderantes à ocorrência desse problema. Isto é particularmente verdadeiro quando já foram descarta

O uso crônico de omeprazol e as verdades difíceis de engolir

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Não é incomum as pessoas comprarem e utilizarem medicamentos sem indicação médica, assim como não é raro encontrarmos prescrições médicas inadequadas por aí. Estas duas ações, em conjunto, trazem um sério problema para a saúde de muitos: o uso incorreto de certas medicações. Entre os campeões neste sentido, estão os analgésicos comuns e os anti-inflamatórios não esteroidais. Contudo, recentemente vem ganhando destaque a utilização inadvertida de omeprazol, uma das pautas de nossa conversa hoje. Ao fazer referência ao omeprazol, podemos estender nosso raciocínio a todos as outras drogas de sua classe, conhecida como inibidores da bomba de prótons do estômago, entre os quais estão ainda esomeprazol, lanzoprazol, pantoprazol e rabeprazol, pois seus mecanismos de ação são praticamente idênticos e, até o momento, não há evidências científicas definidas indicando superioridade de um deles sobre os demais (esta informação, no entanto, não raro é negligenciada ou distorcida por médicos e

A família como um sistema determinante de saúde

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Família. Uma palavra pequena que pode nos remeter a diversos sentimentos. Um conjunto de pessoas que, funcionando como um sistema altamente complexo, exerce forte influência sobre a saúde dos indivíduos que o compõe, de maneira positiva ou negativa. Em alusão ao Dia Internacional da Família, celebrado no dia 15 de maio, proponho hoje uma reflexão para mergulharmos, ainda que superficialmente, nas particularidades do sistema familiar e sua importância para a saúde dos seres humanos. Para começar, vale dizer que uma das definições antropológicas de família a toma como um grupo de pessoas com grande intimidade entre si, que possuem uma história e planejam um futuro juntas. Ao usarmos esta definição, geralmente estaremos falando da unidade familiar ou família nuclear, com seus componentes residindo, habitualmente, em um mesmo local. Percebemos, assumindo tal ideia de família, que não há necessidade da existência de parentesco biológico para que indivíduos sejam considerados membros d

Câncer de próstata: doença ou invenção?

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Quando se fala sobre saúde do homem, em especial no quesito prevenção, uma das primeiras doenças que lembramos é o câncer de próstata. Isto não é uma surpresa, pois campanhas nacionais como o “Novembro Azul” têm massificado, com um estrondoso sucesso, a ideia de que o rastreamento dessa doença é algo importante para todas as pessoas do sexo masculino após certa idade. Refiro-me ao grande sucesso da ideia porque, recebendo diversos pacientes no consultório para realização de avaliações preventivas, incluindo rastreamento de doenças, percebo que é regra, não exceção, a preocupação dos homens em relação ao câncer de próstata. Será mesmo que há fundamento para tanta preocupação? Inicialmente, é importante entendermos que rastrear uma doença significa tentar diagnosticá-la antes que ela provoque sintomas no indivíduo que se submete ao rastreamento. Rastrear uma doença, portanto, não significa impedir sua ocorrência. Se uma pessoa já apresenta sintomas, o processo de busca do diagnóst