O uso crônico de omeprazol e as verdades difíceis de engolir

Não é incomum as pessoas comprarem e utilizarem medicamentos sem indicação médica, assim como não é raro encontrarmos prescrições médicas inadequadas por aí. Estas duas ações, em conjunto, trazem um sério problema para a saúde de muitos: o uso incorreto de certas medicações. Entre os campeões neste sentido, estão os analgésicos comuns e os anti-inflamatórios não esteroidais. Contudo, recentemente vem ganhando destaque a utilização inadvertida de omeprazol, uma das pautas de nossa conversa hoje.


Ao fazer referência ao omeprazol, podemos estender nosso raciocínio a todos as outras drogas de sua classe, conhecida como inibidores da bomba de prótons do estômago, entre os quais estão ainda esomeprazol, lanzoprazol, pantoprazol e rabeprazol, pois seus mecanismos de ação são praticamente idênticos e, até o momento, não há evidências científicas definidas indicando superioridade de um deles sobre os demais (esta informação, no entanto, não raro é negligenciada ou distorcida por médicos e representantes farmacêuticos). Neste texto, portanto, o amigo leitor, por gentileza, entenda o nome omeprazol como menção genérica, literalmente, à classe farmacológica da qual ele faz parte: os inibidores da bomba de prótons (IBPs).

Há pouco tempo tem havido certa preocupação de alguns médicos e pacientes em relação ao uso crônico dos IBPs. São poucas as indicações formais do uso prolongado dessa classe de medicamentos, mesmo assim é comum encontrar pacientes usando-os desnecessariamente durante muitos meses ou anos, às vezes por prescrições incorretas, outras vezes por conta própria. Até o momento, não foram encontradas evidências de que o uso do omeprazol pelo período de até um ano possa causar algum dano, entretanto, a partir desse tempo, entramos em um campo de hipóteses e especulações que não podem ser desconsideradas.

Entre as diversas possibilidades relacionadas ao uso crônico do omeprazol estão atrofia da mucosa gástrica, conhecida como gastrite atrófica, fraturas ósseas osteoporóticas e disabsorção da vitamina B12, cuja deficiência tem potencial para causar neuropatias e demência, entre outros problemas.
Vale dizer ainda que estudos em ratos observaram a ocorrência de tumores gástricos carcinoides produzidos pelo uso crônico (dois anos) de omeprazol, havendo relação com a dose utilizada. A possibilidade desse tipo de tumor ocorrer também em seres humanos expostos ao fármaco por longos períodos ainda não foi descartada.

Para as pessoas que usam há tempos um IBP e desejam suspendê-lo, é importante saber que a retirada deve ser lenta e gradual, uma vez que o uso prolongado dessas drogas gera no estômago uma condição chamada de hipergastrinemia. Nesta condição, havendo suspensão abrupta do tratamento, é esperado ocorrer uma secreção ácida exacerbada que geraria intensos sintomas estomacais.

Na maior parte das indicações formais de IBPs pela medicina tradicional seu uso deve durar de 4 a 8 semanas e, finalizado o período, recomenda-se reavaliação médica. As indicações incluem, principalmente, esofagites, gastrites e duodenites erosivas, úlceras gástrica e/ou duodenal, sintomas associados ao refluxo gastroesofágico, adjunto aos antibióticos para erradicação da bactéria Helicobacter pylori, prevenção e tratamento de lesões gastrointestinais pelo uso de anti-inflamatórios não esteroidais, e dispepsia funcional.

Chamo a atenção do amigo leitor para essa última entidade clínica, pois é estimado que 20 a 30% das pessoas no Ocidente sofram com a dispepsia funcional. Penso ainda que, provavelmente, ela seja a precursora da maioria das outras doenças do estômago, sendo definida pela presença de sintomas presumivelmente originados na região gastroduodenal, a saber, dor epigástrica, queimação, estufamento pós-prandial desconfortável ou saciedade precoce, na ausência de qualquer doença evidenciável fisicamente. O senso comum batizou a dispepsia funcional de “gastrite” ou “gastrite nervosa”. Embora consagrado, o termo gastrite, originalmente, define um diagnóstico histopatológico, ou seja, feito mediante biópsia de um fragmento da mucosa gástrica.

A sabedoria popular, no entanto, jamais deve ser subestimada, inclusive quando ela tece associações entre gastrite e “doença dos nervos”. É fato que a bomba de prótons, estrutura microscópica presente em milhares de unidades na parede do estômago, atua na secreção de ácido clorídrico com finalidades digestivas na luz desse órgão. Essa liberação ácida depende de mecanismos fisiológicos que envolvem reguladores hormonais e estímulos nervosos. Estes, por sua vez, dependem direta ou indiretamente da ação de mecanismos inconscientes no cérebro. Afinal, nenhum de nós precisa definir voluntariamente, enquanto degusta uma refeição qualquer, sobre o momento e a quantidade de ácido que o estômago precisa secretar.

Logo, é natural deduzirmos que o inconsciente, através da ação do sistema nervoso autônomo, é determinante no processo de secreção ácida do estômago e que, se tal processo encontra-se desequilibrado, funcionando excessivamente, como no caso das dispepsias, a origem do problema deve ser algo que se encontra no inconsciente em desequilíbrio. Se essa desarmonia, de alguma forma, não for acessada durante o tratamento, não é possível pensar em cura para um problema que apenas se materializou no estômago, mas que existe, antes, no inconsciente. 

As pessoas que esperam se curar de problemas estomacais precisam saber, portanto, que não basta tomar omeprazol ou deixar de comer os alimentos “a” ou “b”, “x” ou “y”, para resolver sua doença. Também é essencial buscar a compreensão de questões que, ainda no campo inconsciente, precisam ser admitidas, verbalizadas, ou seja, trazidas ao plano consciente.

A dispepsia funcional, que poderíamos chamar simploriamente como má digestão, simboliza dificuldade ou incapacidade de se permitir sentir no âmbito psíquico. De outra forma, poderíamos dizer que as pessoas com problemas estomacais necessitam aprender, primariamente, a digerir os alimentos psíquicos. Não por acaso, é corriqueiro ouvirmos alguém que se aborrece e diz: “Estou azedo” ou “Tenho algo atravessado no estômago.” Uma vez que o aborrecimento não pôde ser dominado conscientemente, tampouco transformado em agressividade, e a pessoa, no lugar dessas opções, preferiu “engolir a própria raiva”, seu estado de ânimo azedo somatiza-se em acidez estomacal.

Os caminhos para a cura e, claro, para a redução do consumo de IBPs, passam, mais uma vez, pela tomada de consciência e pela sinceridade. Passar a vida toda tomando omeprazol, acreditando que isto é tratamento, pode ser comparado a uma operação tapa-buracos em rodovias; o buraco, nesse caso, a úlcera, cedo ou tarde voltará a mostrar sua cara. Dar preferência a não engolir os sentimentos, mas sim falar sobre eles, poupará o estômago da árdua tarefa de tentar digeri-los. Afinal, ele é um órgão que já se ocupa bastante em digerir muitas porcarias sólidas que comemos nos dias atuais.

Comentários

  1. Caro Bruno
    A medida que lia sua postagem, ao mesmo tempo que aprendia, também, passava por algum constrangimento.
    Explico. Um homem com minha idade e acreditando ter "bagagem" razoável para enfrentar problemas e contra tempos, diversas vezes, transferi a solução do controle pensante para o controle digestivo, ou seja, transferi a angústia. Ao invés de solucionar a questão aumentei o problema...
    Excelente suas explicações, em especial, "a tomada de consciência e a sinceridade".
    Obrigado.
    William Amaral

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  2. Caro Major William,
    Penso que constrangido deva ficar o homem que não admite as próprias imperfeições, pois de fato todos temos tantas delas. E o primeiro passo para, digamos, "sairmos da caverna", como diria Platão, sempre será a tomada de consciência acerca dela e da outra realidade que é possível ser alcançada.
    Obrigado por prestigiar os escritos deste espaço!
    Abraços

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