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Mostrando postagens de 2019

As temíveis prescrições de alguns médicos

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Médicos geralmente entendem pouco de farmacologia. A menos que cursemos pós-graduação nessa área ou que nos esforcemos em estudos complementares sobre os medicamentos, a maioria de nós, egressos dos cursos de medicina, deparou-se durante a graduação com conhecimentos apenas superficiais a respeito de como tais substâncias funcionam e agem no organismo humano. Entretanto, isso não impede que sejamos os principais, senão únicos, responsáveis pela prescrição de fármacos nas sociedades ocidentais contemporâneas. Será que sabemos o tamanho dessa responsabilidade e estamos em condições de assumi-la? Dignos de reconhecimento pelo trabalho bem feito são os colegas médicos que prescrevem de acordo com suas áreas de atuação, que estudam modo de funcionamento, posologia e potenciais efeitos adversos das drogas que costumam colocar em seus receituários, não se atrevendo a indicar medicamentos cuja farmacologia não dominam. Estes colegas, a propósito, não mantém tratamentos farmacológic

O homem cujas pernas foram arrancadas

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“Arrancou minhas pernas.” Esta foi a metáfora utilizada por Duarte para reportar-me o que sentia no tocante à morte do filho, jovem policial que perdera a vida em serviço, num acidente enquanto pilotava uma motocicleta. Duarte valia-se com alguma frequência de metáforas, mas notei que não conseguia muito mais do que elas para expressar seus afetos. A propósito, em pouco tempo tratando seu caso percebi que ele, o homem cujas pernas foram arrancadas, tinha significativa dificuldade para falar sobre sentimentos e emoções. Era como se, além das pernas, certos pensamentos fossem “arrancados” de seu psiquismo, não deixando quase nenhum vestígio. Mesmo a metáfora das pernas arrancadas não apareceu na primeira ocasião em que Duarte veio consultar-me, num ambulatório da Aeronáutica. No encontro clínico inicial, o homem queixava-se de fraqueza e achava-se “desgastado”. Militar reformado, aos 65 anos ele parecia triste e de fato consumido pelo tempo, um idoso envelhecido. Ao contrário de outr

Por uma clínica médica com escuta psicanalítica

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Adelaide veio ao consultório relatar-me que há bastante tempo sofre com dores abdominais. Difusas, mal localizadas, tais dores são intermitentes e não interferem na fisiologia das funções digestivas dela, ou seja, a mulher não apresenta vômitos, diarreia ou constipação associados ao sintoma principal. Tampouco tem dificuldades urinárias ou secreções vaginais anormais. Nega, ainda, febre ou outros sintomas sistêmicos, como perda de peso involuntária (ao contrário, lamenta estar obesa). Um clínico com alguma experiência em medicina, apenas com o curto trecho de anamnese mencionado, cogitará como boa a hipótese de que se trata de um distúrbio não lesivo das vísceras do abdome, embora, claro, deva considerar dados semiológicos adicionais. A propósito, o exame físico da paciente revelava um abdome de difícil avaliação, em decorrência de um panículo adiposo avantajado e de prováveis cicatrizes na anatomia interna, consequentes de uma grande intervenção cirúrgica prévia, à qual Adelaide

Entre o excesso e a derrocada das instituições, qual o lugar do sujeito?

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Comecemos com o óbvio, mas importante de salientar: não há um lugar definido, pré-determinado, para cada sujeito; logo, não pretendo chegar a uma resposta exata para a indagação que se apresenta no início deste trabalho. Em verdade, essa dúvida movimentará o pensar a respeito de nossa existência, como sujeitos na contemporaneidade. Entretanto, antes de refletirmos sobre o lugar do sujeito entre o excesso e a derrocada das instituições, faz-se apropriada uma breve contextualização histórica, além da apresentação de alguns conceitos. Se a família humana é uma instituição, em conformidade com o que nos diz Lacan, a história das instituições começou com a família. Para utilizar uma referência judaico-cristã, cultura na qual estamos inseridos e que demarca nosso tempo, de acordo com os escritos bíblicos em Gênesis, nos primórdios da vida humana, na origem de todos os povos, havia um homem, Adão, e uma mulher, Eva. Estes seriam, respectivamente, o pai e a mãe da horda primitiva, propos

Histórias de um plantão na madrugada

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Fazia bastante tempo que eu não assumia plantão noturno no hospital público. Na semana passada voltei a viver essa experiência. Uma aventura, sob muitos aspectos, mas certamente um serviço importante à comunidade, pois no meio da madrugada, enquanto a maioria dorme, há os que sofrem. Pessoas com problemas muito diversos buscam atendimento médico na calada da noite, algumas com doenças orgânicas, patologias que modificam estruturalmente seus corpos, outras com sintomas desvalorizados pela medicina convencional, porquanto inexplicáveis em termos estritamente biológicos. Contudo, seja no primeiro grupo de pacientes, seja no segundo, em comum entre ambos existe o sofrimento humano, atravessado pelos conflitos da alma. Já se passava das quatro da manhã quando José chegou ao plantão. Queixava-se de dor torácica intensa, ventilatório-dependente, estava febril e emagrecido. Afirmou ser portador do HIV, tendo abdicado da terapia antirretroviral há mais de dois anos. Ao exame clínico, aprese

Doutor, me dá uma receita?

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A resposta à pergunta título deste artigo será simplesmente um sim ou um não, da parte do médico, todavia dependerá de uma série de fatores e do contexto em que se pede a receita. Pensar sobre isso é bastante relevante, particularmente para pessoas que consideram, equivocadamente, ser algo trivial o ato médico de prescrever, quando na realidade encerra-se nele grande responsabilidade. A essas pessoas, portanto, que comumente comportam-se de modo inconveniente solicitando “receitinhas de corredor” para si, dedico a presente reflexão de modo especial. Primeiro fato que devemos considerar: medicamentos prescritos podem causar danos; a propósito, danos potencialmente fatais. Isto levou a prescrição de tais substâncias a figurar atualmente como terceira causa geral de mortalidade no mundo, atrás apenas das doenças cardiovasculares e do câncer, conforme já mencionado outrora neste blog , ao citarmos Peter GØtzche. Logo, como médico, ao prescrever qualquer droga, do mais comum dos analgés