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Mostrando postagens de 2018

Lentas elaborações: a psicanálise em meio à doença orgânica

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Um homem com câncer apresentou-se na consulta médica como um ser humano bom, em sua própria visão. Como então poderia um câncer estar crescendo dentro de si? Que fatalidade! Sim, o homem mencionado considerava uma fatalidade, talvez uma injustiça, estar com uma neoplasia. Nota-se que foi o próprio sujeito quem associou o câncer a algo mau, ao indignar-se com o fato de alguém “bom como ele” estar padecendo de tal doença, reconhecidamente “maligna”. Então é tempo de questionarmos: seria mesmo possível para nós, humanos, sermos tão bons assim, a ponto de nos tornarmos imunes ao que é mau? Ou seriam bondade e maldade polos entre os quais necessariamente transitamos, pendendo ora mais para um lado, ora para o outro? Podemos também nos perguntar se cânceres, calculoses, reações autoimunes, condições inflamatórias crônicas, nefropatias, cardiopatias, diabetes e tantas outras patologias orgânicas seriam consequências do acaso. Parece-me que não. Isto não significa que as pessoas sejam “cul

A trajetória e a importância de um grupo de estudos em Medicina Psicossomática

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A TRAJETÓRIA E A IMPORTÂNCIA DE UM GRUPO DE ESTUDOS EM MEDICINA PSICOSSOMÁTICA* autores: Bruno Guimarães Tannus Beatriz Manzan Dalla Vecchia Yuri Cordeiro Szeremata * trabalho apresentado originalmente no 19º Congresso Brasileiro de Medicina Psicossomática, ocorrido na cidade de Caxias do Sul-RS, em setembro de 2018, e premiado como melhor trabalho na modalidade apresentações orais. Introdução Atualmente o Hospital Governador Celso Ramos (HGCR) é um dos principais recursos de alta complexidade disponibilizado pelo sistema público de saúde na cidade de Florianópolis-SC. Além de receber pacientes encaminhados de outros serviços de saúde que necessitam suporte hospitalar, o HGCR também trabalha com “portas abertas”, acolhendo a população que busca espontaneamente atendimento de urgência. Ocorre, no entanto, que a maioria dos atendimentos dessa demanda espontânea não se configura, tecnicamente, situações graves sob a ótica médica. Porém, é fato que essas pessoas,

Brigas de torcidas, carnavais e hospitais públicos

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Na obra “Moisés e o monoteísmo”, embora se dedique fundamentalmente à compreensão daquilo que mais tarde Lacan conceituaria como Nome-do-Pai, há um pequeno trecho em que Freud comenta especificamente sobre o ódio direcionado aos judeus. Nesses comentários podemos encontrar uma articulação relevante com o chamado narcisismo das pequenas diferenças. Falamos de narcisismo das pequenas diferenças, o que não quer dizer que os efeitos de tal narcisismo sejam pequenos ou invisíveis. Ao contrário, podem ser traumáticos, notáveis. O narcisismo em pauta, o das pequenas diferenças, remete à tendência de cada sujeito em se separar dos outros em função de diversidades menores, enaltecendo-as em detrimento das muitas semelhanças que existem entre ele, sujeito, e as demais pessoas. Pode-se verificar a mesma tendência também em grupos de sujeitos no tocante a outros grupos. Freud afirma, em sua obra supracitada, que um fenômeno de tal intensidade e permanência como o ódio do povo pelos judeu

Pode haver amargura em meio à doçura do diabetes?

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Em algumas situações pode ser um tanto angustiante ser médico. Não é por não saber o que o protocolo indica prescrever, mas porque, apesar de segui-lo conforme preconizado, simplesmente não há uma resposta terapêutica no doente. Ao contrário, ele parece piorar. Serei mais específico para ilustrar o que estou dizendo e contarei brevemente uma história que poucos dias atrás gerou-me tal angústia, o caso do sr. Valter. Este, claro, é um nome próprio inventado, com o intuito de respeitar o sigilo médico ao qual tem direito o paciente real, mas asseguro-lhe, caro leitor, que os fatos não são meros devaneios de minha cabeça.   Valter é um homem que, não há muito tempo, ingressou na chamada terceira idade. Fora diagnosticado com diabetes antes disso, todavia não se pode dizer que “sofre” de diabetes, pois não se queixa de qualquer coisa sobre essa alteração metabólica glicêmica que um dia disseram-lhe ter. Na verdade, Valter não se queixa de quase nada, apesar de indubitavelmente sofrer

A mulher que tentava engravidar

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Uma colega médica pediu opinião sobre um caso de paciente mulher, na ocasião com 32 anos de idade, que fora ao consultório queixando-se de que “tentava engravidar há 10 anos”. Casada há quase duas décadas, ainda sem filhos, a mulher buscava novamente ajuda médica para aquele que considerava seu grande problema. Outrora já fizera isso, inclusive submetendo-se a tratamentos indutores da ovulação, sem sucesso. Questionava então a colega na consultoria: qual seria o melhor tratamento para essa mulher que tenta engravidar? O marido da paciente apresentava espermograma normal, então a médica deduziu, talvez precipitadamente, que não seria ele o responsável pelo insucesso da tão sonhada gravidez. Quanto à  mulher cujo anseio era estar gestante, realizou previamente alguns exames de imagem (ultrassom e histerossalpingografia), a fim de investigar se possuía eventual anormalidade anatômica que a impedisse de engravidar. Seus ovários e úteros mostraram-se normais, exceto por uma única alteraçã

Obesidade e alopatia: retrato de uma utopia

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Muitas vezes a alopatia é cansativa. Ela cansa quando insiste em iludir as pessoas com promessas esdrúxulas para solucionar determinadas doenças, insolúveis por tal método. Em consequência, gera um trabalho hercúleo no consultório de quem se propõe alertar aqueles que embarcam na referida utopia; trata-se de algo penoso porque numa sociedade doente costuma-se aceitar prontamente os caminhos que se propõem cura-la facilmente de suas mazelas. Afinal, abrir mão desses atalhos implicaria encarar outras estradas, não livres de dores e sofrimento, que precisariam ser (re)construídas. Antes de prosseguirmos, convém esclarecer aos que não estão familiarizados com o termo, que alopatia significa um método de tratamento que emprega medicamentos, os quais, atuando no organismo vivo, objetivam provocar efeitos contrários aos da doença. Isto serve bem, e por tempo limitado, a um conjunto restrito de patologias, por exemplo, certas infecções. Para a maioria das doenças, no entanto, a alo