Anticoncepção além da pílula

O planejamento familiar é um direito das pessoas, embora não seja exercido em inúmeras circunstâncias. Muitas vezes ele não é levado a termo em virtude de pulsões sexuais transformadas em ato irresponsavelmente, através de coitos desprotegidos. Outras vezes, no entanto, observa-se que as pessoas abdicam de seu direito por mera ignorância em relação às diversas possibilidades de métodos contraceptivos, ainda que a maioria deles seja distribuída gratuitamente através do sistema público de saúde. Embora a primeira situação seja de compreensão difícil, aplacar parte do desconhecimento sobre anticoncepção pode ser viável às pretensões deste texto.

Comecemos chamando a atenção para a condição do grupo de mulheres mais próximo da menopausa. Antes de pararem definitivamente de produzir óvulos, geralmente em torno dos 50 anos de idade, as mulheres costumam vivenciar um período longo de irregularidade menstrual. Nesta fase irregular ainda há possibilidade de engravidar, portanto o planejamento familiar com métodos anticoncepcionais precisa ser mantido, caso exista o objetivo de evitar gestações indesejadas. No entanto, maior cautela se faz necessária sobre a escolha do método contraceptivo para o grupo mencionado.

Um dos contraceptivos mais utilizados em nosso país é o anticoncepcional combinado hormonal oral (ACHO), conhecido simplesmente como "pílula". Apesar de populares, as pílulas anticoncepcionais, por conterem hormônios, podem trazer riscos à saúde, especialmente com o avançar da idade. Muitos desses riscos ainda não estão bem esclarecidos e têm sido temas de debates um tanto polêmicos. Desta forma, é muito importante que as mulheres, notadamente as mais próximas da menopausa, tenham acesso a tal informação e decidam de forma mais consciente sobre sua utilização.

Há controvérsia na literatura médica sobre até qual idade seria seguro tomar ACHO regularmente. Segundo o Tratado de Medicina de Família e Comunidade, publicado em 2012, a pílula anticoncepcional não deve ser recomendada para mulheres acima dos 35 anos, a não ser em situações especiais, e não deve ser usada por mulheres com mais de 40 anos. Por outro lado, uma publicação do Ministério da Saúde de 2010, reimpressa em 2013, afirma que a utilização desse método contraceptivo pode prosseguir até a menopausa, caso a mulher não apresente complicações ou contraindicações relacionadas à medicação hormonal. Embora admita sua utilização por mulheres de mais idade, o material do Ministério da Saúde chama a atenção para os riscos cardiovasculares relacionados aos ACHO, recomendando como primeira opção pílulas com baixa dosagem de etinilestradiol (30 microgramas ou menos).

Algumas informações gerais são importantes acerca das pílulas anticoncepcionais: 

1) tabagismo, especialmente após os 35 anos de idade, é contraindicação ao uso delas, pois o risco para doenças cardiovasculares seria potencializado.

2) as pílulas podem ser monofásicas, bifásicas ou trifásicas, de acordo com a proporção de hormônios nelas encontrada; em qualquer situação, elas sempre devem ser tomadas de acordo com a ordem indicada na embalagem, respeitando as pausas, se houver; algumas vezes não são necessárias interrupções em virtude de as cartelas já possuírem comprimidos placebos, ou seja, sem hormônios.

3) mesmo que se utilize ACHO, o preservativo (masculino ou feminino) é o único método contraceptivo que também protege contra doenças sexualmente transmissíveis.

Compreender que as pílulas são apenas um entre diversos métodos anticoncepcionais disponíveis é fundamental para reduzir riscos aos quais seria desnecessário alguns se sujeitarem. Eis uma pequena lista com alternativas aos ACHO, algumas não hormonais, outras com doses menores ou biodisponibilidade reduzida de hormônios: minipílulas, anticoncepcionais injetáveis, dispositivo intra-uterino (DIU) de cobre ou progesterona, adesivo cutâneo, anel vaginal de hormônios, capuz cervical, espermaticidas (em creme, supositório ou esponja), diafragma, preservativo masculino, preservativo feminino, pílula do dia seguinte, laqueadura e vasectomia. Vale registrar, claro, que a eficácia varia entre os métodos citados e que alguns têm indicações específicas, por exemplo, a pílula do dia seguinte, idealizada para uso ocasional, em situações atípicas. Fato é que há opções, e muitas!


Espera-se dos médicos, então, que forneçam explicações e ofereçam diferentes alternativas de métodos anticoncepcionais àqueles que buscam atendimento com a finalidade de planejamento familiar, propiciando um contexto de escolha livre e informada; assim poderá se decidir sobre o método mais apropriado e conveniente às necessidades e circunstâncias de vida de cada pessoa. Reconhecer os pacientes como indivíduos singulares, considerando eventuais contraindicações que possam existir de acordo com o perfil pessoal, as vantagens e desvantagens particulares de cada método, bem como as preferências da pessoa atendida, significa trabalhar a anticoncepção na perspectiva da integralidade.

Comentários

  1. As seguintes referências foram consultadas para auxiliar na elaboração desta postagem:

    1. Wagner HL. Contracepção. In: Gusso G, Lopes JMC (organizadores). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, Formação e Prática. Porto Alegre: Artmed; 2012. p. 975-980.

    2. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Sexual e Reprodutiva. 1. ed. 1. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. (Cadernos de Atenção Básica, 26). Disponível em URL: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_sexual_saude_reprodutiva.pdf (acesso em 07 set. 2015).

    A imagem foi obtida em http://www.mauricioprates.com.br/noticias/ultrassom-e-sugerido-como-anticoncepcional-masculino (acesso em 17 set. 2015).

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