Atestado médico ou declaração de comparecimento?

O dilema sobre qual desses documentos o médico deve emitir, conforme a situação do paciente, geralmente se faz presente em muitas consultas. Este texto pretende ser útil para ambas as partes no tocante a essa questão.

Para dirimir as dúvidas, comecemos pela seguinte constatação: os médicos podem emitir atestados que sugiram o afastamento do trabalho durante apenas um período do dia. Não é necessário recomendar dispensa de um dia completo de atividades profissionais simplesmente porque o paciente consultou-se no período da manhã, por exemplo, a menos que o médico entenda que o motivo da consulta impeça ou prejudique a execução das funções laborais do paciente durante todo aquele dia (ou mais dias, se for o caso).

O Conselho Federal de Medicina (CFM), no documento que normatiza a emissão de atestados médicos, estabelece que o médico, ao elaborar documentos dessa natureza, deve especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a recuperação do paciente


Percebe-se que a resolução do CFM não versa sobre a necessidade do tempo ser expresso em unidade temporal específica. Então, deduz-se que, nos atestados médicos, os médicos podem sugerir a dispensa de apenas algumas horas, um período do dia ou dias inteiros.

Observa-se também que o termo “recuperação”, presente na normativa do CFM sobre os atestados médicos, é abrangente, podendo ser utilizado com múltiplos significados, entre os quais uma opção é “reintegração”. Esta palavra cabe muito bem para os casos de pacientes que, após marcarem presença em uma consulta médica eletiva, estejam aptos a reintegrar o grupo de trabalho do qual fazem parte, sem maiores afastamentos.

Outros pontos são importantes no tocante à emissão dos atestados médicos. Primeiramente, é essencial que todos os médicos estejam cientes de que esses documentos são considerados parte integrante do ato médico, sendo seu fornecimento direito inalienável do paciente. Deste modo, em qualquer tipo de consulta médica, de natureza urgente ou eletiva, por doença ou para fins preventivos, é dever do médico fornecer o atestado médico, caso o paciente o solicite.

Vale ressaltar que o médico não pode cobrar honorários específicos para emitir esse tipo de documento, mas ele, o atestado, sempre deve estar atrelado a uma consulta devidamente registrada em prontuário e/ou ficha de atendimento. Também é importante saber que os dados devem ser registrados de maneira legível no atestado médico e que o médico emissor deve se identificar, mediante assinatura e número de registro no Conselho Regional de Medicina.

Ainda sobre os atestados médicos, cumpre enfatizar que o diagnóstico pode ser informado no documento somente quando expressamente autorizado pelo paciente. A lei do sigilo médico garante o direito da pessoa em omitir seu diagnóstico a qualquer outra pessoa que não seja seu médico, inclusive ao empregador. Desta forma, empresas que exigem a divulgação do código da CID no atestado médico estão cometendo ato ilícito. Cabe aos profissionais de saúde conhecer e fazer com que seja respeitado esse direito dos pacientes.


Por outro lado, quando uma pessoa saudável, ou alguém que não está agudamente doente, comparece a uma consulta e deseja informar o diagnóstico no atestado médico, a Classificação Internacional das Doenças, em sua décima edição (CID 10), dispõe de uma linha de códigos apropriados para esse tipo de situação, por exemplo, a Z76, que versa sobre contatos com serviços de saúde.

A declaração de comparecimento, por sua vez, quando assinada por um médico, nada mais é do que um atestado médico, ainda que nela não conste especificação sobre dispensa do trabalho nem código da CID.

Diversas vezes, durante meus atendimentos, tenho me deparado com pacientes contando que “as empresas não aceitam a declaração de comparecimento”. Na verdade, o que ocorre é que as empresas têm o dever legal de acatar apenas a veracidade da declaração de comparecimento. Entretanto, para fins de abono da falta ao trabalho, o empregador precisa dar anuência a esse tipo de documento, e neste caso ele não tem essa obrigação (embora possa concedê-la), diferente de quando recebe um atestado médico sobre seu empregado.

Assim, quando o empregador recebe do funcionário uma declaração de que o último compareceu em consulta médica, o primeiro pode cobrar do segundo, legalmente, que sejam repostas as horas em que se faltou ao trabalho para se estar na consulta. Sabendo disto, particularmente tenho optado a emitir somente atestados médicos a meus pacientes, em vez de declarações de comparecimento, quando sou solicitado. Até porque essas declarações não precisam ser emitidas necessariamente pelo médico; também podem ser feitas pelo setor administrativo do estabelecimento de saúde.

Comentários

  1. Referências consultadas para a elaboração desse texto:

    1. Conselho Federal de Medicina. RESOLUÇÃO CFM n.º 1.658/2002. Normatiza a emissão de atestados médicos e dá outras providências. Disponível em URL: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2002/1658_2002.pdf (acesso em 29 set. 2015).

    2. Infopédia. Dicionários Porto Editora. Disponível em URL: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/recuperação (acesso em 30 set. 2015).

    3. Conselho Federal de Medicina. TST confirma resolução CFM sobre sigilo na relação médico-paciente na emissão de atestados. 2015. Disponível em URL: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25737:2015-09-17-13-44-56&catid=3 (acesso em 29 set. 2015).

    4. CID 10. Classificação Internacional das Doenças. Disponível em URL: http://www.bulas.med.br/cid-10/ (acesso em 29 set. 2015).

    5. Conselho Federal de Medicina. Processo-consulta CFM nº 6.237/09 – Parecer CFM nº 17/11. 2011. Disponível em URL: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CFM/2011/17_2011.htm (acesso em 30 set. 2015).

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  2. Imagem da postagem obtida livremente em http://www.clubederh.com.br/novo/wp-content/uploads/atestado.jpg (acesso em 07 dez. 2015).

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