Os “milagres” do cloreto de magnésio

Questionou-me recentemente uma colega médica se o medicamento cloreto de magnésio poderia ser utilizado no tratamento de dores articulares e insônia, dois problemas bastante comuns entre pacientes que me procuram no consultório; muito provavelmente no consultório dela também, em virtude da alta prevalência dessas queixas. Pelo que eu sabia até aquele momento, o cloreto de magnésio não tinha efeito terapêutico algum sobre os sintomas mencionados; no entanto, realizei uma pesquisa para tentar fornecer à colega uma resposta cientificamente embasada.

Antes de começar minha busca por evidências, porém, perguntei-me de onde teriam vindo as informações que geraram a dúvida da outra médica. Recorri, então, ao Google. De fato, ao realizar na Internet uma pesquisa sem rigor científico, digitando o nome cloreto de magnésio no popular site de busca, encontrei muitas publicações prometendo curas milagrosas, utilizando o cloreto de magnésio, para diversos problemas de saúde. Percebe-se, no entanto, que essas publicações costumam estar atreladas à venda do medicamento sobre o qual falamos. Há citações nesses sites sobre “pesquisas” envolvendo a substância, contudo não são ensaios clínicos confiáveis do ponto de vista científico.

Vejam só o que um desses sites afirma sobre os “benefícios” do cloreto de magnésio (não perderei meu tempo referenciando esse tipo de site, mas transcrevo ipsis litteris parte de seu conteúdo a seguir):

Funciona como um excelente purificador do sangue, ajudando a equilibrar seu pH. Graças a este benefício, o cloreto de magnésio nos ajuda a prevenir muitas doenças.
Ajuda a eliminar o ácido que se acumula nos rins, promovendo o funcionamento e a saúde renal.
Estimula as funções cerebrais e a transmissão de impulsos nervosos, contribuindo, desta forma, a manter um equilíbrio mental.
É ideal para os esportistas ou pessoas com alto rendimento físico, já que ajuda a prevenir e combater as lesões musculares, cãibras, fadiga e/ou cansaço muscular.
Estimula o bom funcionamento do sistema cardiovascular, prevenindo as doenças do coração.
Ajuda a diminuir os níveis do colesterol ruim, estimulando a boa circulação do sangue e prevenindo doenças.
É um poderoso remédio anti-estresse, que também ajuda a combater a depressão, os enjoos e a fadiga.
É muito importante na regulação da temperatura do corpo.
Previne problemas como as hemorroidas, melhora a saúde intestinal e ajuda em casos como a colite, prisão de ventre, entre outros.
Previne os problemas da próstata e ajuda a combatê-los.
As pesquisas alertaram que pode ajudar a prevenir e a combater tumores cancerígenos.
Fortalece o sistema imunológico, ajudando a prevenir e a combater os resfriados, mucosidades e infecções.
Previne o envelhecimento precoce, já que oferece vitalidade ao corpo e promove a regeneração celular.
É um elemento chave na prevenção da osteoporose, pois atua como um fixador de cálcio nos ossos.
O cloreto de magnésio previne a formação de cálculos renais, impedindo que o oxalato de cálcio se acumule neles.
Promove a saúde da mulher, já que diminui os sintomas da TPM e estimula a regulação hormonal.
Combate os radicais livres, evitando a formação de tumores e verrugas.
Promove a limpeza das artérias, prevenindo ao mesmo tempo a arteriosclerose.

Parece bom demais, não?! Mas, amigos leitores, não se deixem iludir. O cloreto de magnésio não tem comprovadamente nenhuma das funções descritas acima, tampouco tem efeito como analgésico ou indutor do sono, sob a ótica da medicina baseada em evidências. A própria bula do medicamento, disponibilizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), indica a substância apenas como laxante.

Ao buscar informações em bibliotecas científicas como Cochrane, PubMed, Scielo, Bireme e UpToDate, não se encontram evidências de que o cloreto de magnésio tenha alguma aplicabilidade do tipo prometido pelos charlatães. E sobre os sintomas citados na pergunta de minha colega médica, também, o maior benefício que poderíamos esperar desse medicamento seria o efeito placebo.

É importante lembrarmos que a hipomagnesemia (leia-se, deficiência de magnésio) existe e trata-se de um distúrbio hidroeletrolítico considerado grave quando as concentrações séricas de magnésio estão abaixo de 1 mg/dL. Situações como esta, no entanto, costumam ser observadas apenas nas salas de emergência e UTIs. Cumpre acrescentar que o sal utilizado para o tratamento da hipomagnesemia grave é o sulfato de magnésio, em apresentações parenterais, não o cloreto de magnésio.

Diversos problemas de saúde podem associar-se a hipomagnesemia, entre eles algumas condições relativamente comuns, por exemplo, diabetes, alcoolismo, vômitos e uso de determinados medicamentos, como diuréticos e inibidores de bomba de prótons. Nessas condições é importante realizar dosagens periódicas do magnésio no sangue.

A hipomagnesemia em níveis séricos não graves corresponde à maioria dos casos quando ocorre deficiência de magnésio, e geralmente é assintomática. Desta forma, é razoável propor que nesses casos a correção do íon seja feita pelo tratamento da doença de base e por uma alimentação incrementada em fontes naturais de magnésio, a saber, leguminosas, nozes, amêndoas, vegetais folhosos verde-escuros, entre outras.



                                           Fonte: Centro Brasileiro de Apoio Nutricional (2014).
Por fim, sabe-se que artralgias e distúrbios do sono, notadamente a insônia, são problemas corriqueiros na prática dos médicos que atuam no nível primário de atenção à saúde. Deste modo, é importante conhecer formas apropriadas de abordagem dessas condições clínicas. Podemos conversar sobre esses temas em postagens futuras, mas já posso adiantar que não existem soluções mágicas, limitadas à ingestão de fármacos, para esses sintomas. Resultados de curto prazo e milagrosos, como os prometidos pelos vendedores do cloreto de magnésio e afins, mantém a condição de engano. Infelizmente são esses os resultados almejados por pessoas que preferem não encarar o esforço rumo ao autoconhecimento e à verdadeira saúde.

Comentários

  1. Evidências e Referências:

    1. Hemafarma Comércio e Indústria Farmacêutica LTDA. Cloreto de Magnésio Hemafarma. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 2014. Disponível em URL: http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.asp?pNuTransacao=9821872014&pIdAnexo=2288613 (acesso em 28 set. 2015).

    2. Cochrane BVS. Disponível em URL: http://cochrane.bireme.br/portal/php/index.php (acesso em 29 set. 2015).

    3. PubMed. Disponível em URL: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed (acesso em 29 set. 2015).

    4. Scielo (Scientific Eletronic Library Online). Disponível em URL: http://www.scielo.org/php/index.php (acesso em 29 set. 2015).

    5. Bireme. Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em URL: http://www.bireme.br/php/index.php (acesso em 29 set. 2015).

    6. UpToDate. Disponível em URL: http://www.uptodate.com/pt/home (acesso em 29 set. 2015).

    7. Dutra VF, Tallo FS, Rodrigues FT, Vendrame LS, Lopes RD, Lopes AC. Distúrbios hidroeletrolíticos na sala de emergência. Rev Bras Clin Med. 2012; 10(5): 410-419.

    8. Macêdo EMC, Amorim MAF, Silva ACS, Castro CMMB. Efeitos da deficiência de cobre, zinco e magnésio sobre o sistema imune de crianças com desnutrição grave. Rev Paul Pediatr. 2010; 28(3): 329-336.

    9. Centro Brasileiro de Apoio Nutricional. Alimentos ricos em magnésio. 2014. Disponível em URL: http://www.cbancursos.com.br/site/alimentos-ricos-em-magnesio (acesso em 16 out. 2015).

    Imagem inicial da postagem obtida no sítio http://www.tuasaude.com/como-tratar-as-caibras-da-gravidez/ (acesso em 16 out. 2015).

    ResponderExcluir
  2. Muito bom seu blog. Peguei a referência em uma aula sua do Telessaude. Vou acompanhar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Seja bem-vinda ao espaço do blog, Gorette! Obrigado por acompanhar.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Os adolescentes e algumas psicoses do nosso tempo

Sobre violência autoinfligida e a queda do pai na era moderna

A masturbação coletiva e os estudantes de Medicina