A direita política e as somatizações sem lesão de órgão

Somatização sem lesão de órgão pode ser um termo estranho para muita gente, mas é algo que todos conhecemos. Trata-se do nome dado à ocorrência de sintomas corporais (sôma em grego = corpo) sem que haja uma doença física que os explique adequadamente, tomando por doença física aquela que seja reconhecível por meio de exames médicos ou complementares (laboratoriais, de imagem, etc.). Tal situação ocorre, na verdade, todos os dias, com qualquer pessoa, em graus variados. Grande parte das vezes sequer nos preocupamos com tais somatizações, pois as entendemos como algo passageiro. No entanto, também é bastante frequente que pessoas decidam procurar o médico para esclarecimentos sobre tais sintomas.

Por definição, tudo aquilo que se manifesta no corpo é somatização. Um dos pilares da Medicina Psicossomática é a premissa de que todas as somatizações são manifestações psíquicas inconscientes no corpo, ou seja, revelam distúrbios inconscientes através do corpo. Parte importante de qualquer atendimento médico, portanto, deveria ser escutar psicanaliticamente o paciente. Especialmente quando não há lesão de órgão na somatização, a via terapêutica passa necessariamente pela fala do sujeito, livremente associada.


Nesta oportunidade contarei um caso de somatização sem lesão de órgão, embora já esteja claro ao amigo leitor que quaisquer doenças físicas (cânceres, infecções, doenças autoimunes, inflamações de diversos tipos, infartos, etc.) também sejam somatizações.

O que tem a ver a direita política com tudo isso? A seguir, valendo-me da queixa de um paciente que recentemente atendi, você entenderá a pontual relação, que poderia muito bem ter se dado com a esquerda. A propósito, longe de intentar universalizar tal relação, trata-se apenas de um exemplo em que a escuta torna-se essencial, um protótipo da infinidade de associações que se pode fazer para decodificar uma somatização.

O senhor Ramalho (nome fictício) veio ao consultório queixando-se de dor atrás da orelha direita, iniciada há aproximadamente um ano, que piorava com o contato da haste de seus óculos no local. A dor irradiava-se pelo pescoço e trapézio do mesmo lado, chegando ao ombro direito. Esta articulação, no entanto, o paciente movimenta livremente. Ao exame físico, nenhuma anormalidade aparente, nenhum sinal inflamatório na região dolorida, tampouco na orelha direita. Algo na fala do paciente, contudo, chamava a atenção, pois ele insistiu em dizer: “A direita é o meu problema”.


Depois de considerar a possibilidade de uma somatização sem lesão de órgão, que para o médico sempre deve ser um diagnóstico de exclusão, solicitei ao paciente que falasse sobre perturbações que porventura estivessem ocorrendo em seu cotidiano. Ele relatou que a situação política atual do Brasil incomoda-o enormemente. Não conseguia parar de pensar nas notícias sobre corrupção e lamentava uma carreira política que deixou de seguir outrora, pensando que talvez pudesse ter sido diferente dos políticos atuais. Ramalho reconheceu, ainda, ter “raiva dos esquerdistas”, pois em sua concepção a maioria dos jovens costuma ser “radical de esquerda”, mas com o envelhecimento eles se mostrarão “radicais de direita”, como o próprio paciente se definiu durante a consulta, revisitando sua história.


Ramalho e eu ainda conversamos sobre outros assuntos, entre os quais pormenores de sua carreira e trivialidades. Não posso afirmar que ele saiu totalmente sem dor daquela consulta, mas por certo aliviado. Talvez, um pouco transformado. E juntos chegamos à conclusão, algo óbvia, de que os extremos são bastante prejudiciais à saúde.


Comentários

  1. As imagens da postagem foram obtidas respectivamente e livremente em:

    http://eranistis.net/wordpress/category/%CE%BF%CE%B9%CE%BA%CE%BF%CE%BD%CE%BF%CE%BC%CE%B9%CE%B1/

    https://budazen.wordpress.com/2013/05/14/o-caminho-do-meio-e-dentro/

    [acesso em 30 maio 2017]

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