Antidepressivos, por que os querem tanto?

Os antidepressivos são psicofármacos úteis em determinados contextos clínicos, entretanto não há como negar que eles têm sido excessivamente prescritos. De quem é a responsabilidade pelo crescente número de prescrições de tais drogas, observado nos últimos anos? Dos médicos? Da indústria farmacêutica? Dos próprios pacientes, sentindo-se incapazes de lidar com suas emoções e querendo uma fuga rápida e artificial de seus problemas? Provavelmente os responsáveis são todos os citados, cada um com sua parcela de “contribuição”.

Boa parte dos médicos que clinica tem dificuldade em ouvir seus pacientes. Certa vez demonstrou-se que, durante uma consulta médica, era de apenas 18 segundos o tempo médio para que o profissional fizesse a primeira interrupção na fala do paciente que começava a discorrer sobre suas queixas. Nem os médicos cirurgiões, com o devido respeito aos colegas, deveriam ser tão precipitados nessa interrupção. A impaciência de muitos médicos frente a seus pacientes, somada à indisponibilidade para lidar com as questões da subjetividade humana, encontra na prescrição de antidepressivos um meio veloz e impessoal para “resolver” algumas situações corriqueiras do consultório. Melhor dizendo, para livrar o médico, não o paciente, de certas dificuldades.

São esses médicos, um tanto afoitos, que costumam diagnosticar de modo banalizado depressão ou transtorno misto ansioso e depressivo, especialmente em pessoas que sofrem, na verdade, de neurose. Tanto no caso dos doentes dos nervos quanto no caso dos depressivos, não se trata tais condições sem que o sujeito afetado tenha um espaço apropriado de atenta escuta profissional, buscando a compreensão sistêmica do contexto no qual se desenvolvem os sintomas. Isto, obviamente, não é possível se fazer em “consultas a jato”, uma infeliz tendência em nossos dias.



Também é preciso falar da big pharma, como se tornou conhecida a indústria de medicamentos, em alusão a seu grande poderio econômico mundial. Essa indústria teve suas práticas corruptas, inescrupulosas, e até criminosas, denunciadas recentemente pelo excelente livro de Peter GØtzche, com seus argumentos muito bem embasados. Esse autor chama a atenção para a questão dos antidepressivos, uma das galinhas de ovos de ouro para a referida indústria. Muitas pesquisas que “atestam a eficácia” de tais medicamentos são piadas de péssimo gosto, pois correspondem a estudos que de cientificidade não possuem quase nada. Vieses metodológicos, manipulação de resultados, encobrimento de efeitos adversos graves, enfim, rola de tudo um pouco no tocante à história dos antidepressivos.

Quanto aos pacientes deprimidos, não se pode negligenciar o cenário histórico no qual estão inseridos. Refiro-me principalmente à forma de organização das sociedades ocidentais contemporâneas, aonde o sujeito vem perdendo seu lugar, nas quais o carpe diem é tomado como regra geral e a tristeza como aberração proibida. A psicanalista Maria Rita Kehl, em seu livro “O tempo e o cão”, acrescenta:


O projeto pseudocientífico de subtrair o sujeito – sujeito de desejo, de conflito, de dor, de falta – a fim de proporcionar ao cliente uma vida sem perturbações acaba por produzir exatamente o contrário: vidas vazias de sentido, de criatividade e de valor. Vidas em que a exclusão medicamentosa das expressões da dor de viver acaba por inibir, ou tornar supérflua, a riqueza do trabalho psíquico – o único capaz de tornar suportável e conferir algum sentido à dor inevitável diante da finitude, do desamparo, da solidão humana.

Embora o cenário seja sombrio, há esperança para dias melhores. Digo isto pautado pela fala de alguns pacientes que venho atendendo, pessoas com coragem para empreender a desprescrição do antidepressivo, sempre de modo responsável (não se recomenda uma desprescrição abrupta, tampouco sem acompanhamento médico e psicológico). Uma dessas pessoas afirmou: “Sinto-me mais leve depois que parei de tomar a fluoxetina.” Outra observou: “Parei o escitalopram e agora posso novamente chorar. Consigo ver um filme triste e me emocionar. Antes, sentia vontade de chorar, mas as lágrimas não vinham.”


Para encerrar esta breve reflexão, vale mencionar, ainda, a história do paciente que reconheceu uma de suas feridas, mas preferiu se apoiar no antidepressivo durante mais algum tempo. Pactuamos sua decisão sem maiores problemas: “Enquanto esta mágoa continuar comigo, prefiro manter o medicamento.” Seguimos trabalhando juntos para, senão curar a ferida, ao menos cicatriza-la parcialmente, mantendo a cada consulta um espaço livre para as narrativas de seus sofrimentos e angústias.

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    http://www.naturalblaze.com/wp-content/uploads/2015/03/Edvard_Munch_-_Melancholy_1894.jpg
    [acesso em 06 set 2017]

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