Ejaculação precoce, para quem?


Poucos problemas de saúde causam tanto incômodo aos homens quanto aqueles que comprometem seu órgão sexual, símbolo fálico à luz da psicanálise. Entre homens jovens, antes da temida “impotência sexual”, uma queixa mais corriqueira é a ejaculação rápida, também conhecida como precoce. Mas, se existe mesmo tal precocidade, a que se deveria?
O primeiro passo no consultório frente a um paciente que se queixa de ejaculação precoce é justamente compreender o que ele considera como precoce. Não raro, aquilo que os homens entendem como orgasmo masculino rápido somente seria veloz se comparado ao imaginário fantasioso, ou a relatos fantásticos inverídicos de outros homens, nos quais ocorreria um dilatado tempo para se chegar ao clímax das relações sexuais.

Em um segundo momento, se ficar constatado que realmente a velocidade com a qual o homem libera o ejaculado comprometa significativamente o relacionamento com a parceira, há que se oferecer tratamento. Este deve ser embasado pela terapia psicológica, preferencialmente de orientação psicanalítica. Fármacos e medidas comportamentais são medidas meramente paliativas para o sintoma.

A propósito, a ejaculação precoce é exatamente isto, um sintoma, não uma doença física, e, como qualquer outro sintoma, clama por interpretação. Suprimi-la apenas, sem entender o porquê de sua existência, é como jogar a sujeira para baixo do tapete. Infelizmente, esconder a sujeira é suficiente para muitos pacientes. Mas o profissional de saúde disposto a ajuda-los verdadeiramente é aquele que motiva reflexões inteligentes sobre os orgasmos precoces, por exemplo:

- Você fala em ejaculação precoce, mas o tempo que você leva até o orgasmo é suficiente para que sua parceira também atinja o orgasmo dela?

- Você considera sua ejaculação rápida em comparação a quem?

- Por que você acha que isso, de ejacular rapidamente, acontece com você?

- Desde quando esse problema ocorre em sua vida sexual? Por que teria começado nessa época?


Na literatura médica convencional, há tentativas de se usar números para definir a precocidade da ejaculação. De acordo com uma dessas definições, precoce seria o orgasmo masculino que ocorresse em menos de 2 minutos,
contados a partir do início da penetração, ou em menos de 10 incursões do pênis. Considero de pouquíssima utilidade esse tipo de definição quando lidamos com pessoas apresentando problemas na esfera sexual, haja vista a sexualidade satisfatória ser algo muito particular. Ou seja, o que é prazeroso para alguém, pode não ser para outro, o que é normal para fulano, pode ser uma afronta para cicrano, enfim, tem gente por aí muito feliz e bem resolvida sexualmente com coitos que outras pessoas considerariam rápidos demais. As peculiaridades são incontáveis na seara sexual.

A fim de registrar a existência de medidas estritamente sintomáticas para o problema em pauta, os fármacos elencados como primeira escolha para “tratar” a ejaculação precoce são os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), como paroxetina e sertralina, em doses menores. O preço a se pagar por aqueles que almejam somente silenciar o sintoma é sua recorrência, algo comum após a suspensão do medicamento. Anestésicos tópicos são terapia farmacológica de segunda linha e podem provocar efeitos adversos, a saber, eritema da pele e da glande, sensação de queimação, e reações alérgicas, até mesmo na parceira.

E já que mencionamos os ISRS, convém informar aos amigos leitores que o risco de suicídio parece aumentado e grosseiramente subestimado no tocante ao uso desses antidepressivos. Em seu livro Medicamentos Mortais e Crime Organizado: Como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica, Peter C. GØtzche alerta-nos para a improbidade científica generalizada que distorceu seriamente nossa percepção dos benefícios e danos dos ISRS, hoje rotineiramente prescritos.

O referido autor menciona que uma análise desses psicofármacos e medicamentos similares, realizada pela Food and Drug Administration (FDA) em 2006, incluindo 372 ensaios controlados por placebo, envolvendo 100 mil pacientes, descobriu que os ISRS aumentavam o comportamento suicida em indivíduos com idade de até 40 anos, aproximadamente. GØtzche afirma estar muito claro que os suicídios, a possibilidade de suicídio e a violência causados por tais medicamentos estão sorrateira e intencionalmente omitidos, em decorrência de práticas não éticas e corruptas da indústria de medicamentos, que fatura cifras impressionantes com a venda dos ISRS.

Não direi ser proibido prescrever fármacos para indivíduos que se queixam de ejaculação precoce, mas ressalto: deve haver clareza de que isso não trata verdadeiramente o problema, apenas camufla o sintoma, e cursa com substanciais riscos. O tratamento da ejaculação precoce, portanto, idealmente deve ser feito de uma forma integral, considerando os vários aspectos da pessoa, seu histórico e seu contexto de vida. Logo, o exame complementar fundamental a se realizar nesses casos é o psíquico.

   
A rapidez do ejaculado, quando implica sofrimento ao homem, costuma ser manifestação da condição psicopatológica conhecida como neurose. Para o neurótico, seus sintomas servem como uma espécie doentia de gozo de não gozar o gozo. Claro, há diversos outros tipos de sintomas que podem ser encontrados em pessoas neuróticas e a ejaculação precoce não é necessariamente um deles. Mas, ilustrando bem um caso em que a neurose se manifestava pela via mencionada, recordo-me de um paciente que atendi recentemente. Acredito que sua breve história concluirá apropriadamente o presente texto.

Tratava-se de um sujeito com 50 e poucos anos que iniciava um novo relacionamento amoroso, com uma mulher mais jovem. Ele queixava-se da dificuldade em manter a relação sexual por mais tempo, tanto quanto gostaria. Perguntei se aquilo acontecia somente com a atual mulher, mas ele afirmou ser um problema para si desde que perdera a virgindade. A mulher anterior, no entanto, com quem fora casado durante muitos anos, não reclamava, e nos últimos anos do casamento eles praticamente não se relacionaram sexualmente.

Presumi que havia algo não dito, e importante, sobre a iniciação sexual daquele homem, então o questionei acerca da primeira experiência que ele tivera nesse sentido. Sem muita dificuldade, ele recordou que, ainda jovem adulto, movido por certa pressão de colegas do ensino técnico, deitara-se com uma prostituta. Quando terminaram de se despir, eis a frase que ouviu dela: “Ande logo com isso”.

Esse paciente pareceu surpreso ao se lembrar daquele episódio, pois se deu conta de que as marcas deixadas pelas palavras da garota de programa foram mais profundas do que ele imaginava. Obviamente, tal recordação isolada não basta para curar uma neurose, cujas origens remetem à fase edipiana do sujeito. Porém, o sintoma traduzido como ejaculação precoce para aquele homem não parece ter voltado a incomodar-lhe, pelo menos não da mesma forma. Afinal, sugeri que ele retornasse se houvesse persistência do sintoma, a fim de considerarmos a necessidade de medicação. E lá se vão alguns meses desde a consulta... 

Comentários

  1. Evidências e Referências:
    1. Ferron MM, Lopes Junior A. Problemas da Sexualidade. In: Gusso G, Lopes JMC (organizadores). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed; 1. ed. 2012. p. 741-746.
    2. Stewart M, Brown JB, Weston WW, McWhinney IR, McWilliam CL, Freeman TR. Medicina Centrada na Pessoa: Transformando o método clínico. Porto Alegre: Artmed; 2. ed. 2010.
    3. Brasil. Biblioteca Virtual em Saúde. Atenção Primária à Saúde. Segunda Opinião Formativa. ID: sof-5371. 2013. Disponível em URL: http://aps.bvs.br/aps/o-que-e-ejaculacao-precoce-quais-causas-desta-doenca-qual-o-tratamento-qual-a-faixa-etaria-dos-homens-que-e-mais-atingida/ (acesso em 02 mai. 2016).
    4. GØtzche PC. Medicamentos Mortais e Crime Organizado: Como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica. Porto Alegre: Bookman; 2014.
    5. Zimerman DE. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed; 1999.

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    As imagens foram obtidas livremente em:
    http://drscarpa.site.med.br/fmfiles/index.asp/::XPR2ZR::/Premature%20Ejaculation.jpeg
    http://acidezmental.xpg.uol.com.br/imagens/ejaculacaoprecoce.gif
    http://i.imgur.com/ypVJItm.gif
    (acesso em 17 out. 2016)

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  2. Muito bem escrito, e remete o que penso dos medicamentos anti depressivos nada mais que roubadores de vida. Boa sorte.

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