Como se prevenir de pedras nos rins

Há alguns anos venho atuando em urgências médicas e não é difícil constatar que um número enorme de pessoas sofre com crises de cólicas renais. Estas crises são resultado da doença calculosa dos rins, também denominada nefrolitíase ou, popularmente, pedras nos rins. Os cálculos formados, especialmente quando se deslocam rumo aos ureteres, podem provocar dor intensa e, dependendo do tamanho, complicações obstrutivas. 

Não detalharei neste texto particularidades relativas às complicações dessa doença, pois são escopo de meus colegas médicos urologistas, com suas técnicas intervencionistas (litotripsia ou cirurgia). Também não importará, aqui, descrever nuances do tratamento da dor aguda e intensa das crises de cólica renal. O objetivo central hoje, como o próprio título indica, será conhecer informações essenciais no tocante à prevenção dos cálculos urinários, tentando levar em consideração a integralidade a que se propõe este blog.

A nefrolitíase é a terceira causa mais comum entre as doenças do trato urinário (fica atrás apenas das infecções e das patologias da próstata), mas é considerada a de maior morbidade. A apresentação clínica característica dos cálculos urinários é a cólica renal, cuja estimativa de incidência ao longo da vida, considerando a população geral nos países desenvolvidos, é de 10 a 15%, sendo os homens mais afetados do que as mulheres. Sabe-se, ainda, ser a cólica renal uma condição recorrente (seguimentos de 5 a 10 anos de duração mostram que cerca de 50% das pessoas voltam a apresentar o quadro clínico sugestivo; em 20 anos de seguimento, a recorrência chega a 75%).

Para se pensar na prevenção de qualquer doença é fundamental conhecer seus fatores de risco. A ciência médica convencional estabeleceu alguns fatores de risco para nefrolitíase e afirma que eles podem ser divididos em intrínsecos, os quais compreendem idade, sexo e hereditariedade, e extrínsecos, como os fatores geográficos e climáticos, a dieta, o baixo consumo de água, entre outros. A seguir, elenquei algumas particularidades que julgo serem relevantes a respeito de certos fatores de risco para que se formem cálculos urinários. Alguns desses fatores são potencialmente modificáveis, outros não.

Há evidências de que a probabilidade de ocorrer calculose de rins e vias urinárias seja maior em indivíduos cujas ocupações são sedentárias. Ressalta-se, porém, que é difícil avaliar se a ocupação em si é um fator de risco decisivo para litíase ou se o tipo de trabalho apenas influencia outros fatores ambientais que facilitariam a formação de litíase urinária, por exemplo, temperaturas elevadas, baixa umidade do ar e padrão inadequado de alimentação.

Sobre faixa etária, observa-se maior incidência de litíase entre os 20 e os 40 anos de idade. Conforme já mencionado, também o sexo masculino é um fator de risco, haja vista ser a formação de cálculos duas a três vezes mais frequente em homens do que em mulheres. Quanto à etnia, os mais acometidos são os indivíduos brancos, seguidos pelos asiáticos e, então, pessoas de cor negra. Em relação ao sobrepeso e à obesidade como fatores de risco para a formação de nefrolitíase, apesar de não haver consenso sobre tal associação, muitos estudiosos sugerem que ela exista.

A ingestão de líquidos (preferencialmente água) é uma medida fundamental para evitar a formação e a recorrência dos cálculos urinários, tanto pelo efeito diluente dos líquidos quanto pela capacidade deles em reduzir a chamada razão de supersaturação da urina. Há consenso de que a ingestão diária de líquidos deveria promover uma excreção urinária de pelo menos 2 a 2.5 L por dia, distribuídos uniformemente ao longo do dia. Essa ingestão de líquidos em abundância é a medida preventiva para nefrolitíase com melhor eficácia documentada. Há, porém, evidências apontando que a água possuidora de grande concentração de cálcio ou magnésio seria mais litogênica. E, quando se fala em aumentar a ingestão de líquidos, é prudente excluir os refrigerantes da lista, pois é sabido que reduzir o consumo dessas bebidas gaseificadas pode prevenir a recorrência das cólicas renais.

Salienta-se também o importante papel da dieta sobre a formação de cálculos urinários; logo, é sensato avaliar de modo pormenorizado, com a ajuda de um colega nutricionista, os hábitos alimentares dos pacientes com esse problema. Como informações gerais, vale registrar aqui que dietas com menores valores energéticos diminuem a formação de cálculos. Também é conhecido o fato de que o nutriente que tem efeito universal na maioria dos parâmetros urinários envolvidos na formação de cálculos é a proteína, notadamente a proteína animal. Hábitos alimentares inapropriados, portanto, como um grande consumo desse tipo de proteína, podem favorecer hipercalciúria (induzida, entre outros fatores, por uma maior reabsorção óssea), hiperoxalúria (devido a uma maior síntese de oxalato), hiperuricosúria (pela sobrecarga de purina), hipocitratúria (devido a maior reabsorção tubular de citrato) e diminuição do pH urinário; os fenômenos bioquímicos citados favorecem a formação de pedras nos rins.

Ainda na seara da alimentação, pesquisadores aconselham algo, à primeira vista, paradoxal: maior ingestão de cálcio para prevenir litíase urinária (sim, maior!). Isto porque o consumo de pelo menos 800 mg/dia de cálcio reduz a absorção intestinal de oxalato, um dos principais formadores de cálculos. O oxalato pode ser encontrado em determinados alimentos, como chocolate preto e nozes, os quais, portanto, devem ser evitados em quantidades excessivas. Sugere-se, ainda, evitar consumo elevado de sódio como estratégia razoável para a prevenção da formação de cálculos de cálcio recorrentes. As pessoas com nefrolitíase recorrente, habitualmente, não ingerem maiores quantidades de sódio do que indivíduos sem essa condição, porém aqueles são considerados mais sensíveis ao sódio.

É possível individualizar a abordagem preventiva secundária da litíase renal a partir da análise da composição do cálculo urinário e da realização de um painel bioquímico extenso da pessoa, analisados por médicos urologistas experientes no assunto. Porém, mesmo em países economicamente mais desenvolvidos, tal abordagem somente é considerada custo-efetiva para pessoas que tenham apresentado dois ou mais episódios de cólica renal durante a vida.

Finalmente, falemos sobre famílias. A história familiar positiva para cálculo urinário não é incomum entre pacientes com litíase renal, variando em 25 a 50% dos casos. Contudo, tais percentuais não significam necessariamente que a calculose seja uma doença hereditária somente do ponto de vista do DNA, mas que membros da mesma família, além de compartilharem a herança genética, costumam também apresentar o mesmo modo de vida e os mesmos hábitos alimentares. Seguindo esta lógica, por que não poderíamos deduzir que familiares também possam partilhar estruturas semelhantes de psiquismo? E aqui estamos falando de famílias sob uma perspectiva antropológica, ou seja, que incorpora os genes, mas vai bastante além deles.

As limitadas concepções médicas convencionais afirmam que não existem recomendações para a prevenção primária da cólica renal, apenas para a prevenção de recorrências. Permitam-me discordar, agregando uma concepção psicossomática acerca do problema em pauta. Sob tal prisma, os rins representam o âmbito da parceria no interior do corpo humano. Dores renais e moléstias dos rins sempre surgem quando os seres humanos estão envolvidos em conflitos com seus parceiros. Neste aspecto, parceria não deve ser entendida como mera parceria sexual, mas a participação essencial que envolve a pessoa e seus semelhantes.


Os cálculos renais acontecem como resultado da sedimentação e da cristalização de determinadas substâncias presentes na urina em quantidade excessiva (por exemplo, ácido úrico, fosfato de cálcio, oxalato de cálcio), e isto já sabemos pela abordagem convencional. Porém, há que se oferecer devida atenção ao fato de que a pedra bloqueadora é feita de substâncias que, em última análise, teriam de ser expelidas por não contribuírem mais para o desenvolvimento do corpo.

No nível psíquico, a pedra (o cálculo) corresponde a um acúmulo de assuntos que já deveriam ter sido solucionados há tempos, visto não serem úteis para a evolução da psique. Só um salto para além do que é velho pode mobilizar outra vez o fluxo da vida e livrar as pessoas de velhos temas (neste caso, das pedras). Para se encontrar a referida liberdade, não há outro caminho senão trazer à tona, através da terapia psíquica, os motivos inconscientes que se materializam como cálculos a fim de simplesmente serem ouvidos. Em síntese: quem busca prevenção, deveria começar pela máxima socrática de conhecer-se a si mesmo.


Comentários

  1. As seguintes evidências e referências foram consultadas para a elaboração do texto acima:

    - Sabben S, Brum SPB. Urolitíase e fatores associados. Arquivos Catarinenses de Medicina. 2007; 36(2): 99-106. Disponível em URL: http://www.acm.org.br/revista/pdf/artigos/494.pdf (acesso em 04 mai. 2016).

    - Fontenelle LF. Cólica Renal. In: Gusso G, Lopes JMC (organizadores). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed; 1ª ed. 2012. p. 1104-1109.

    - Dethlefsen T, Dahlke R. A Doença Como Caminho: uma visão nova da cura como ponto de mutação em que um mal se deixa transformar em bem. São Paulo: Cultrix; 17. ed. 2012. 262 p.
    ------------------------------------
    E as imagens da postagem foram obtidas livremente nos sítios:

    - http://gabrielsreport.com/wp-content/uploads/2014/01/man-pushing-rock-up-hill-ok-to-use.jpg (acesso em 06 mai. 2016)

    - https://lh5.googleusercontent.com/-vXRmQY3eHSc/UClwz3gEdJI/AAAAAAAACLQ/xYYTaCkaMhM/s512/litiase-urinaria.jpg (acesso em 06 mai. 2016)

    ResponderExcluir
  2. Grande Bruno. Muito bom seus comentários de forma concisa e objetiva não deixando de lá a importância do equilíbrio psíquico na prevenção desta enfermidade e com certeza em inúmeras outras.....Grande abraço. Lourenço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro colega Dr. Lourenço,
      É uma grande honra recebê-lo como leitor neste espaço.
      Que o conteúdo do texto acima possa ser útil, entre outras coisas, para orientarmos melhor as altas dos inúmeros pacientes que atendemos em emergência de cólica renal.
      Abração

      Excluir
  3. Muito esclarecedor. Bom saber dessas informações.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu pela visita, João. Sua mensagem passou batida por mim na época em que vc a postou. Visite o blog mais vezes. Abraço

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Os adolescentes e algumas psicoses do nosso tempo

Sobre violência autoinfligida e a queda do pai na era moderna

A masturbação coletiva e os estudantes de Medicina