Nos bastidores do pânico e dos corações acelerados

Para falar sobre os corações acelerados, ou em pânico, começarei apresentando uma história real e muito comum em nossos dias. O personagem principal é fictício, embora seja inspirado em milhares de pacientes que visitam as urgências e consultórios médicos rotineiramente. Esta história traz em seu âmago um problema cuja incidência parece estar diretamente associada à impregnação na sociedade de duas doenças chamadas silêncio e incompreensão.

Era uma vez uma jovem universitária que, com seus vinte e poucos anos de vida, sentia frequentemente seu coração acelerar, sem causa aparente. Às vezes também parecia ter palpitações e lhe faltava o ar, outras vezes lhe doía o peito. Ela chegou a acreditar que pudesse morrer de infarto devido tais sensações desagradáveis. Preocupada com seus sintomas, que volta e meia se repetiam, a moça decidiu procurar um médico. Este, depois de examiná-la e submetê-la a diversos testes complementares, concluiu que ela estava apresentando ataques de pânico.

O médico então lhe receitou um ansiolítico (calmante, na linguagem popular) e a moça saiu da consulta infeliz com aquele diagnóstico e com aquela solução proposta para “tratar” o seu problema. Não porque ela quisesse estar infartando, mas porque continuava cheia de dúvidas: se estava “tudo bem com seu coração”, de onde vinham todos aqueles sintomas? O que sentia era real ou estaria enlouquecendo?

Essa moça pode representar qualquer pessoa, homem ou mulher, que sofra de problemas cardíacos, especialmente nos casos em que a doença ainda não tenha se materializado no corpo físico, ou seja, esteja apenas no campo metafísico (ou, talvez melhor dizendo, no campo do pânico).

Tomemos as arritmias como protótipo das doenças que se manifestam no coração, mais especificamente aquelas arritmias que aceleram seus batimentos na ausência de achados sugestivos de doença física no órgão. A ideia, a partir daqui, é compreendermos porque os ataques e transtornos de pânico, variantes dos transtornos de ansiedade, estão intimamente relacionados aos descompassos do coração (e vice-versa).

Arritmia cardíaca é definida como qualquer ritmo cardíaco cuja frequência encontra-se menor que 60 ou maior que 100 batimentos por minuto e/ou diferente do ritmo sinusal (este é o nome dado ao ritmo normal do coração físico, com a presença de ondas elétricas em posições e formatos apropriados no traçado do exame eletrocardiográfico).

Percebemos, através da definição acima, que qualquer pessoa fisicamente saudável pode ter, durante parte do dia, uma arritmia cardíaca transitória, como quando a frequência do coração se eleva durante a prática de exercícios físicos (resposta normal ao aumento da demanda muscular periférica por sangue oxigenado em momento de maior esforço) e durante alterações de cunho estritamente emocional.

A literatura médica convencional define essa resposta ao exercício físico e a outras condições em que a liberação de catecolaminas encontra-se elevada (por exemplo, medo, ansiedade e estresse) como causas fisiológicas de arritmia cardíaca do tipo taquicardia sinusal. Em tais condições, habitualmente, a aceleração cardíaca acontece mas não é sentida, pelo menos não como sofrimento.

A moça de nossa história
não reconhecia qualquer desconforto psíquico em si, algo que explicasse “fisiologicamente” tudo aquilo. Intrigada e com a nítida sensação de que seria superficial e ineficaz somente “tomar um calmante”, se quisesse realmente se curar, a jovem entendeu que precisava da ajuda de alguém que a enxergasse como um ser humano composto não apenas de matéria, mas também de atributos invisíveis, como a consciência, repleta de energia psíquica que precisava ser tratada e reorganizada. 

Embora o ansiolítico tenha sido um alento durante certo tempo, ela soube com clareza que a medicação seria apenas uma muleta, necessária tão somente naquele período em que aprendia mais sobre si mesma e se curava de suas mazelas psíquicas.


Durante sua longa caminhada em direção à cura, a moça soube que era essencial compreender o coração como o órgão simbólico do centro do ser humano. Um órgão que não é controlado nem pelo intelecto, nem pela vontade. Desta forma, tudo que perturba o batimento do coração, fazendo-o descompassar, sempre envolve as emoções. 

Quando uma arritmia não pode ser admitida como fisiológica, significa que a emoção correspondente a ela ainda não pôde ser vista, ou seja, está no âmbito inconsciente, não foi verbalizada até aquele momento. Isto faz muitos se apressarem em dizer que tal emoção não existe e que essa coisa de desvendar sentimentos obscuros é besteira. Contudo, essa ignorância é terreno fértil para o cultivo e o crescimento da angústia conhecida como pânico. Ela é o fruto podre da insistência de muitos na busca de algo impossível: separar por completo a razão da emoção.

Em diversas situações, as arritmias cardíacas reverberam tão somente a emoção não dita que se somatizou no corpo, forçando as pessoas, através da presença do sintoma ou da doença, a “ouvirem seus corações”. O método psicanalítico deveria ser encarado como um aliado essencial para a empreitada que essas pessoas precisam enfrentar como seu real tratamento. Uma das qualidades da psicanálise é justamente propiciar ao analisando um ambiente para a tão necessária integração entre as polaridades opostas da mente humana. 



Para concluir, vale ressaltar que um problema não deixa de existir simplesmente porque ainda não é visível no corpo. Atualmente, a maior ameaça à saúde da humanidade é justamente o fato de a maioria das pessoas se preocupar em ser saudável apenas no corpo. Consequentemente, quando os sintomas já se tornaram visíveis, sob a forma de doenças fisicamente evidentes (um infarto do miocárdio, por exemplo), essas pessoas anseiam tratar apenas suas disfunções orgânicas. Este reducionismo é uma inútil tentativa de alcançar a verdadeira cura, ao contrário, alimenta uma triste e fatal inércia.

Comentários

  1. As seguintes evidências e referências foram consultadas durante a elaboração do texto acima:

    1. Prado Jr. JC, França SP. Palpitação e arritmia. In: Gusso G, Lopes JMC (organizadores). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed; 1. ed. 2012. p. 1246-1261.

    2. Vidal TB, Roman R. Interpretando o eletrocardiograma. In: Gusso G, Lopes JMC (organizadores). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed; 1. ed. 2012. p. 1262-1280.

    3. Dethlefsen T, Dahlke R. A Doença Como Caminho: uma visão nova da cura como ponto de mutação em que um mal se deixa transformar em bem. São Paulo: Cultrix; 17. ed. 2012. 262 p.

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  2. As imagens da postagem, respectivamente, foram obtidas livremente em:

    - http://www.sabercultural.com/template/obrasCelebres/fotos/O-Grito-Edvard-Munch-Foto01.jpg

    - https://bstrait.files.wordpress.com/2015/05/heart-vs-mind_design-edited.jpg

    - http://www.drogakobiety.pl/assets/images/heart-and-mind-1280x800.jpg

    (acesso em 17 fev. 2016).

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  3. Obrigado Dr. Esclarecedor em todos os sentidos.
    Antônio Carlos

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    1. Caro Pr. Antônio Carlos, uma das principais intenções deste blog é que os textos sejam esclarecedores sobre assuntos de saúde em uma ótica mais abrangente. Motiva-me bastante receber esse feedback. Obrigado pela visita!

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  4. Muito obrigado Bruno Tannus por mostrar-me esse texto. Foi esclarecedor e fez-me pensar melhor no meu jeito de vida.

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    1. Prezado Vanderson, que bom que os escritos foram-lhe úteis!
      Sigamos pensantes, vivamos plenamente.

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