O grito da pele

Uma jovem de 14 anos de idade, ansiando eliminar suas espinhas faciais, procurou ajuda de um médico. Queixando-se das lesões de pele ao médico, este, sem demonstrar interesse em conhecer as características biológicas, sociais ou psíquicas da adolescente que ali estava, prescreveu-lhe espironolactona 25 mg/dia como tratamento único (e provavelmente milagroso!) para o problema de pele mencionado.

Esse colega protagonizou um exemplo clássico de iatrogenia, nome que se dá a toda conduta médica que, além de não ajudar, pode causar dano ao paciente. Sabe-se que a espironolactona é um medicamento da classe dos diuréticos poupadores de potássio, cuja aplicabilidade clínica principal está no tratamento da insuficiência cardíaca. Apesar de a espironolactona ter algum efeito antiandrogênico e, desta forma, poder ser considerada como adjuvante no tratamento da acne, nesta condição clínica não há recomendação de seu uso em monoterapia. Além disto, um dos possíveis efeitos adversos desse diurético são alterações dermatológicas (erupções cutâneas e urticárias), também chamadas farmacodermias.

O tratamento dermatológico para acne indicado pela medicina ocidental, teoricamente baseada em “evidências”, tem por base os compostos retinóides derivados da vitamina A, na maioria dos casos em formulações tópicas. Outras substâncias para uso externo também podem ser prescritas: antibióticos (claritromicina ou eritromicina), peróxido de benzoíla e os ácidos azelaico ou salicílico. Combinações das substâncias citadas são tentadas em contextos refratários e, em casos mais graves de acne, criteriosamente selecionados, indica-se o tratamento sistêmico, pela via oral, com a isotretinoína e, em algumas situações, com antibióticos. A isotretinoína oral deve ser especialmente restrita, em virtude de seu enorme potencial de efeitos adversos. 

Medidas gerais no combate às lesões incluem a limpeza da pele acometida duas a três vezes ao dia, sem agredi-la demasiadamente, utilizando produtos apropriados, prescritos por um médico especialista em dermatologia. Este também pode indicar hidratantes faciais que não colaborem para a formação de comedões, pois estas são as lesões fundamentais da acne, sendo de suma importância inibir sua proliferação. Dietas ricas em laticínios e com elevada carga glicêmica precisam ser evitadas, ressaltando que o profissional de saúde mais indicado para prescrever uma alimentação adequada é o nutricionista. Por fim, mulheres com acne moderada a grave podem se beneficiar de tratamentos hormonais sistêmicos adjuntos, a saber, com contraceptivos orais combinados, que suprimem a produção ovariana de androgênios, e com bloqueadores de receptores de androgênios, entre os quais se inclui a espironolactona, já conhecida nossa.


O tratamento sintetizado nos dois parágrafos anteriores tem sua importância e deve ser utilizado quando apropriado. No entanto, não nos deteremos nele, pois a função deste espaço é tentar compreender as coisas um pouco mais profundamente. Nos casos de doenças dermatológicas, o entendimento a ser buscado é literalmente mais profundo do que a mera manifestação cutânea de um desequilíbrio. Desta forma, a iatrogenia que conhecemos no início do texto também nos será útil para demonstrar o quanto alguns problemas de saúde podem ser abordados de maneira extremamente reducionista pela medicina tradicional.

Sabe-se que a pele é o maior órgão do corpo humano e cumpre diversas e importantes funções, tais como separação, proteção, regulação da temperatura, toque, contato e sexualidade. Ela ainda tem a função de expressar e manifestar processos internos. Apesar de sabidamente relacionados, estes processos são bastante negligenciados pela dermatologia, talvez por serem muitas vezes inconscientes tanto na psiquê do paciente quanto no cérebro do médico dermatologista. No entanto, o fato de serem processos inconscientes de modo algum significa que não existam!

Portanto, para que toda manifestação cutânea seja integralmente tratada, o passo inicial deve ser buscar a tomada de consciência sobre qual processo interno pode estar envolvido naquele determinado tipo de lesão na pele. A medicina dita “alternativa”, em especial através da reflexologia e da acupuntura, explora há muito tempo o conhecimento de que a pele é a superfície que reflete todos os órgãos internos. Ademais, é preciso também atenção à característica que a pele possui em desnudar ao mundo nossas reações psíquicas, queiramos ou não admiti-las conscientemente. Um exemplo clássico dessa relação da pele com as emoções é o rubor facial que muitas pessoas apresentam quando se sentem envergonhadas.

Sim, a pele grita. E seu grito é intenso. A pele torna visível o que muitos tentam, em vão, esconder de si ou dos outros. Como vulcões furiosos e incontroláveis, as erupções na pele trazem à tona aquelas coisas que vem das profundezas do ser humano e que não mais podem ser camufladas. No caso particular da acne juvenil, uma doença de pele muito comum durante a adolescência, período caracterizado pela presença da puberdade, quando se desenvolvem os caracteres sexuais secundários, não é preciso ser um gênio para constatar sua relação com a expressão da sexualidade. 

Os jovens púberes, habitualmente, vivenciam um paradoxo nessa fase da vida: tentam afirmar sua sexualidade ao mesmo tempo em que ansiosamente a reprimem, com medo desse impulso recentemente desperto, embora ele faça parte da natureza humana. Segundo os autores Thorwald Dethlefsen e Rüdiger Dahlke, o desejo reprimido se transforma em feridas na pele e a vergonha da própria sexualidade se transfere para a vergonha que o jovem sente das espinhas.

O melhor remédio para a cura da acne é a experiência plena do sexo e isto é conhecido por todas as pessoas. Com esta frase, não intento sugerir que parte das recomendações para tratar a acne deva incluir “ter relações sexuais”, até porque experimentar plenamente o sexo é algo que está muito além da forma pobre com que muitas pessoas tentam praticá-lo. Por outro lado, para que o tratamento anti-acne seja pleno, considero de fundamental importância que todas as pessoas que sofrem com esse problema na pele tenham oportunidade de conversar e compreender melhor sobre sua própria sexualidade, de preferência com a ajuda de profissionais capacitados para este fim. Tornar os medos conscientes e expressá-los são medidas que aumentam significativamente as chances dos seres humanos em superá-los.


Imagem obtida na internet no sítio:

http://www.projetoportal.org.br/noticias/images/stories/Urandir%20-%20vulc%C3%A3o.jpg

(acesso em 02/03/2015)

Comentários

  1. Caro Ten Bruno.
    Mais uma excelente "aula" a respeito de assunto que, para um leigo, revela-se uma oportunidade de aprendizado. Ouso, até, sugerir que faça um compendio futuro de suas mensagens, reflexões e ensinamentos para consolida-los em um livro. Obviamente, o estudo e aperfeiçoamento da medicina não se esgotam (como deveria ser em todas as profissões). Sei, também, que o profissional de saúde tem campo intelectual inesgotável.
    O que mais chamou minha atenção é sobre "o rubor em certas ocasiões de emoção", ou seja, a interface entre a "pele e a mente". Lendo e compreendendo esse fato, as emoções poderiam agir (positivamente e/ou negativamente) sobre outros órgãos do corpo? Caso essa afirmação encontre respaldo, deveríamos ter como "farol" o equilíbrio? Isso sugere que certas "doenças" podem ser causadas pelas nossas emoções (muitas vezes apegadas a vaidade, aos bens materiais, a luxúria, a ausência de responsabilidade, ...).
    Prezado Bruno, de qualquer forma, pretendo cuidar mais em agregar bons pensamentos e procedimentos mais ajustados.
    Parabéns.
    William

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    1. Prezado Major William,

      Quanto mais estudo e pratico a medicina, mais me convenço de que sim, as emoções, especialmente aquelas que habitam nosso inconsciente, determinam os processos físicos em nossos organismos, bem como muitas de nossas escolhas e comportamentos. A respeito desses assuntos, gostaria de lhe indicar dois livros formidáveis: "A Doença Como Caminho - Uma visão nova da cura como ponto de mutação em que um mal se deixa transformar em bem" (autoria de Thorwald Dethlefsen e Rüdiger Dahlke, os quais citei no texto) e "Subliminar - Como o inconsciente influencia nossas vidas" (autoria de Leonard Mlodinow). Essas leituras são bastante acessíveis também para quem não é da área da saúde.

      Dessa forma, o equilíbrio é realmente o "farol" a ser visado. Para isto, nós humanos precisamos admitir algo muito difícil: que somos imperfeitos, desequilibrados. E ninguém escapa dessa imperfeição. Acredito que duas atitudes fundamentais podem nos auxiliar contra este fato: o exercício diário da espiritualidade, num relacionamento sincero e pessoal com nosso Criador, que é o perfeito equilíbrio, e a disposição a uma profunda análise psicológica, que nos permite reconhecer os desequilíbrios internos. Certamente não deixamos de ser imperfeitos praticando essas duas coisas, mas passamos a ter uma grande vantagem no caminho que devemos trilhar neste mundo para termos uma vida mais saudável e feliz.

      Quanto à ideia do livro, confesso que é um sonho a ser realizado. Não sei se com conteúdo similar aos escritos deste espaço, mas quem sabe?

      Mais uma vez, obrigado pelo prestígio e motivação!

      Grande abraço

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