Espiritualidade, saúde e doença

Fui desafiado por um amigo a escrever sobre a influência que o relacionamento com Deus exerce sobre nossa saúde. E que desafio! A exclamação não é por conta de ser difícil para eu compreender a relação mencionada, pois ela é muito clara para mim. No entanto, somente seria fácil explica-la às outras pessoas se eu partisse de minha fé pessoal como premissa também verdadeira para os demais. E imagino que para muitos de vocês, amigos leitores, a espiritualidade tenha outros enfoques. O desafio, portanto, é conseguir demonstrar os benefícios da caminhada com Deus para a saúde daqueles que ainda não o encontraram ou que o entendem de formas diversas da minha.

Para começar esta conversa, é interessante, em particular aos que se dizem ateus ou agnósticos, mencionar que a ciência tem produzido provas, em diversos estudos recentes, de que a espiritualidade influencia positivamente a saúde das pessoas, seja sob a ótica física, seja sob a ótica psíquica. Esses trabalhos científicos entendem a espiritualidade como algo diferente da religiosidade. Apesar de estarem relacionadas, pois as diversas religiões nada mais são que maneiras diferentes de expressão da espiritualidade, esta representa um termo genérico, que pode ser aplicado a qualquer criatura humana que busca dar sentido à sua vida.

A espiritualidade pode ser entendida como um sentimento pessoal que traz significado à vida e permite ao ser humano suportar dificuldades e sofrimentos, que invariavelmente fazem parte de sua condição existencial, além de estimulá-lo a desenvolver um interesse genuíno pelos outros e por si mesmo. Isto é possível porque a espiritualidade proporciona às pessoas a compreensão de que não se pode ser feliz de fato sem levar em consideração o bem estar dos outros, dos animais e do planeta. Pode-se dizer que ela estimula a prática do cuidado e, consequentemente, promove comportamentos saudáveis, os quais se aplicam ao indivíduo e além dele.

Se a ciência admite a existência da espiritualidade e mais de 90% do planeta acredita na existência de Deus, não concentrarei meus esforços no presente texto em prová-Lo aos que dizem crer apenas na ciência. A estes deixo, no entanto, o seguinte questionamento: é possível falar sobre espiritualidade sem admitir a existência de um Criador para todas as coisas? E peço-lhes também atenção à citação do apóstolo Paulo no vigésimo versículo do primeiro capítulo de sua carta aos Romanos, onde ele afirma que desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas.

Podemos dizer, portanto, que a ciência tem sido extremamente útil em nos levar ao entendimento dessas coisas criadas antes dela, incluindo aqui as leis da física e o funcionamento químico e biológico em escala microscópica. Através desta compreensão, à humanidade vem sendo possível desenvolver magníficas tecnologias. Por si mesma, contudo, a ciência não cria nada absolutamente novo, ou seja, ela nada cria a partir do nada. Além disso, citando o doutor Augusto Cury, a ciência não conseguiu causar a tão sonhada revolução do humanismo, da solidariedade e da preservação dos direitos humanos; ela não cumpriu as promessas mais básicas de expandir a qualidade de vida psicossocial do mundo moderno. Essa revolução somente os homens espiritualistas podem promover.

Se o amigo leitor já entendeu o conceito de espiritualidade e crê na existência de Deus, penso que pode prosseguir em direção ao foco deste texto. Caso contrário, esteja livre para continuar acreditando no acaso, em forças aleatórias e na teoria do caos, mas, crendo nisto, é preciso perceber que sua própria existência pode se tornar caótica e sem propósito.

Voltando ao foco. Se o relacionamento com Deus ajuda-nos a ter melhor saúde, é importante sabermos: quem é Ele? Afinal, se o que define um relacionamento é ter comunhão, envolver-se com alguém ao ponto de compartilhar experiências, faz-se necessário, ainda que parcialmente, conhecer o outro com quem se relaciona. Assim, para nos relacionarmos com Deus, importa, antes de outras coisas, entendermos que Ele é um ser vivente, único e amoroso, disponível a todos. Ao ter esta compreensão, podemos observar que as principais religiões do mundo, se levadas a ferro e fogo, podem até dificultar que as pessoas se aproximem de Deus. Pois muitas vezes, ao longo da história, as religiões têm priorizado doutrinas complicadas, propiciando um ambiente favorável para que muitos indivíduos, e até comunidades inteiras, se afastem do Deus vivo. Esse ambiente gera insanidades como as praticadas pelos extremistas islâmicos nos dias atuais e pela Igreja Católica durante as Cruzadas, cometendo atrocidades contra outros seres humanos e ainda afirmando executá-las em nome de Deus. Isto não é espiritualidade, é doença.

Fazer um pot-pourri das diversas religiões é algo bastante complicado. Por outro lado, concentrar nossa atenção momentaneamente em alguns indivíduos, tidos como profetas ou mestres iluminados, talvez forneça-nos uma boa ajuda para chegarmos à resposta de quem é Deus. Entre os indivíduos mencionados poderíamos citar Moisés, Isaías, Davi, Siddhartha Gautama, Jesus, Maomé, Joseph Smith, além de muitos outros, e observaremos que, em comum, todos eles apontam para a necessidade de desapego do mundo material e da prática do amor como pressupostos para a transcendência da alma, entendida pelos teístas (aqui, portanto, não se incluem os budistas) como a eternidade na presença de Deus.

Aproprio-me novamente dos escritos de Augusto Cury, que, em seu livro O Mestre dos Mestres, parte da coleção que escreveu sobre a inteligência de Cristo, afirma que de todos os homens que brilharam em suas inteligências, como os citados no parágrafo anterior, ninguém foi tão ousado em seus pensamentos como Jesus. De todos aqueles que fundaram uma religião, uma corrente mística ou uma corrente metafísica, ninguém teve a intrepidez de proferir palavras semelhantes às dele. Ao investigarmos o pensamento de Cristo, verificamos que ele realmente não falava de mais uma religião nem de uma corrente de pensamento. Falava dele mesmo, discorria sobre sua própria vida e o poder que ela continha.

Pretendo deixar claro ao amigo leitor que sou cristão, então assumo publicamente o conflito de interesse existente ao afirmar que Jesus, em minha perspectiva, é o próprio Deus que se materializou homem. Para mim, há evidências de que a pessoa, a vida e os ensinamentos de Jesus erguem-se acima de todos os outros. E eu diria que a maioria dos outros grupos aponta, direta ou indiretamente, para Ele, que dividiu a história da humanidade. No entanto, ciente de que neste ponto estou na esfera da fé pessoal e desejando respeitar as variadas crenças dos diferentes leitores, voltemos ao objetivo central deste texto, finalizando-o com a resposta à sua questão principal: por que o relacionamento com Deus (ou, para alguns, simplesmente ser espiritualista) promove melhor saúde às pessoas?

Independente de sua crença pessoal, o cerne do relacionamento pessoal e efetivo com Deus é aprender, dia após dia, a ser espiritual, praticando o verdadeiro amor, cuja aceitação não tem limites nem imposições, algo absolutamente incondicional. O amor é muito mais que sentimento, também é atitude, e torna as pessoas mais saudáveis ao permitir a cura das doenças na única esfera onde de fato ela é possível: a mental. Nós, seres humanos, temos um ego que sempre nos torna seres faltantes, buscando algo que nos é externo; esta busca, inatingível em sua plenitude, habitualmente custa-nos a liberdade, escravizando-nos ao egoísmo e à dificuldade de perdoar a si mesmos e aos outros. 

Cabe aqui mencionar também o doutor Jorge Sesarino; escrevendo sobre a cura em psicanálise, ele afirma que sempre haverá um sofrimento irredutível e inerente à vida, que é incurável e que constitui a essência de nossa condição humana. Mas o fato de alguém vir a se conhecer melhor, se aceitar e se amar, permite cultivar a capacidade de descobrir o outro e apreciar algo de belo em sua vida. O analista não pode curar as pessoas, mas pode cuidá-las, oferecendo condições para que possam redesenhar suas histórias pessoais e encontrar outras respostas para os seus sofrimentos além daquelas que já possuem.

Sendo assim, constatamos que apenas mediante coragem e esforço perenes, na busca incansável pelo amor genuíno, o qual é altruísta, seremos espiritualizados; aprendemos que para sermos saudáveis precisamos buscar continuamente nos entender, nos ver e nos sentir como parte do todo (“eu maior”) que inclui todos os demais seres viventes, livrando-nos assim das armadilhas do ego que nos tornam doentes. Deste modo, estamos perfeitamente saudáveis ao conseguirmos amar ao próximo como a nós mesmos, da maneira que ensina Jesus. O símbolo desse amor oniabrangente sobre o qual falamos é o próprio amor de Deus pela humanidade. Santo Agostinho diz que o amor é um dom divino e que o amor de Deus nos conduz a amar; é pelo fato Dele nos amar que somos capazes de amar a nós mesmos e aos outros. Todo amor é divino. Neste sentido, Deus é amor. E a saúde, invariavelmente, anda por suas veredas.




Imagem obtida da internet no sítio:
 http://el-kouba.com.br/espiritualidade-nas-organizacoes/
(acesso em 23/03/2015)

Comentários

  1. Caro Ten Bruno
    Suas publicações são interessantes. Em uma, verifico a riqueza de conteúdo técnico sobre assuntos inerentes à medicina. Em outra, a espontaneidade como aborda um tema "ousado", mas, com o mesmo método sério e rigoroso, desprovido de caráter material, no entanto, atinge o objetivo argumentando sobre "espiritualidade e saúde. Nesta, você argumenta com sabedoria simples, porém, com a mesma responsabilidade.
    Enquanto profissional, sem afastar as teses materiais, trazemos convicções "provadas" pela experimentação, seus efeitos e aplicações. Da mesma forma, sem afastar a razão, temos outras convicções que, somente, o homem de gênio (inteligente) é capaz de compreender: "a existência de Deus".
    Em sua publicação, encontrei um argumento muito sensato que é uma característica daqueles que foram nossas referências, como, o Mestre Jesus: o desapego ao mundo material e a pratica do amor para a transcendência da alma.
    Acredito que Deus e Jesus sejam os "médicos de almas". Aquele que permite que Eles façam parte de sua vida pode "consultá-los" nos momentos de alegria e de dor.
    Saliento que sua abordagem trouxe observações importantes, ou seja, que tenhamos "coragem e esforço perenes" para conquistarmos amor genuíno, sermos altruístas, nos conhecer e compreender a importância da essência Divina, ...
    Parabéns e obrigado por mais essa lição.
    William.

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    Respostas
    1. Caro Major William,

      Feliz eu sou por compartilharmos da mesma crença em Deus e também por ambos entendermos que a coragem e o esforço para nos manter em Seus caminhos devem ser perenes.

      Obrigado por sua participação aqui mais uma vez!

      Grande abraço

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