A nova velha Medicina de Família

Nas últimas décadas assistimos a uma evolução tecnológica sem precedentes na história da humanidade. Esses avanços tecnológicos também ocorreram no campo da medicina, possibilitando hoje a existência de exames complementares, diagnósticos, procedimentos e tratamentos incríveis.

Tanto progresso fez com que as especialidades médicas focais expandissem enormemente seus conhecimentos sobre órgãos, tecidos, células, enfim, partes do corpo humano em geral. Isto é de grande valia, contudo, por outro lado, pode ser perigoso, pois muitas vezes a pessoa que procura por atendimento médico é atendida de maneira extremamente fragmentada. E assim também pode se tornar a sua saúde: despedaçada.

Para evitar essa excessiva fragmentação, um antigo tipo de médico está voltando a ganhar importância e sendo valorizado como especialista fundamental no gerenciamento dos cuidados à saúde das pessoas: o Médico de Família.

A Medicina de Família, que também pode ser chamada Medicina de Família e Comunidade, é uma especialidade focada em PESSOAS, não em doenças ou partes específicas do corpo. Seu foco, portanto, é o relacionamento médico-pessoa. Durante a formação na residência médica ou especialização nessa área de atuação, o profissional é treinado para manejar, de forma competente e o mais resolutiva possível, os problemas de saúde mais comuns nos diferentes perfis de indivíduos, independente de idade ou sexo, integrando em sua abordagem os aspectos sociais e psicológicos desses problemas.

Para que o Médico de Família seja bem sucedido no que propõe sua especialidade, além de conhecer bem e se manter atualizado sobre a medicina baseada em evidências, ele necessita saber empregar recursos da psicologia, da filosofia, da sociologia e da antropologia em sua prática clínica. Este tipo de abordagem o permite acolher a pessoa atendida como o todo complexo que ela é e do qual ela faz parte, exercendo assim a saúde na perspectiva da integralidade.

É importante salientar que a Medicina de Família não tem o objetivo nem a intenção de tomar lugar ou minimizar a importância das demais especialidades médicas, pois, conforme mencionado anteriormente, atualmente o conhecimento dentro das subespecialidades da medicina é muito abrangente. Seria impossível um profissional saber tudo sobre todas as áreas. Dessa forma, o que almeja a Medicina de Família é, essencialmente, trabalhar em conjunto com as especialidades focais, e também com outros profissionais de saúde, visando fornecer às pessoas exatamente o que cada uma delas precisa quando procuram ajuda sobre sua saúde.

A grande vantagem de se ter um Médico de Família competente como referência é o fato da pessoa não precisar se preocupar sobre qual médico deverá se consultar para tratar sobre esta ou aquela questão de saúde, pois ela sabe que seu Médico de Família jamais vai lhe dizer: “isto não é da minha área”.

Todos os tipos de problemas de saúde podem ser apresentados, inicialmente, ao Médico de Família, e este buscará uma elevada capacidade de resolução. Quando o problema foge da capacidade resolutiva apenas desse médico, ele mesmo pode indicar o especialista focal que precisará ser consultado. Ao encaminhar a pessoa para a opinião de outro colega médico sobre determinado problema, o Médico de Família não pretende livrar-se da pessoa, mas sim continuar disponível a ela, acompanhando em conjunto, inclusive trocando informações com o especialista focal requisitado.

A Medicina de Família é permeada pela característica da longitudinalidade, ou seja, o acompanhamento da pessoa por tempo indeterminado. Afinal, demandas em saúde podem existir a qualquer momento na vida de uma pessoa. Seu Médico de Família, de certa forma, torna-se como um “gerente” confiável para a sua saúde. Tê-lo como referência é ideal às pessoas que precisam de organização para questões complexas de saúde, por exemplo, doenças crônicas associadas, sintomas múltiplos ou mal definidos, uso simultâneo de vários medicamentos ou necessidade de serem atendidas em casa (sim, o Médico de Família faz visitas domiciliares quando a situação exige!), e também às pessoas com demandas a priori simples, como consultas voltadas à saúde preventiva.

Consulte um Médico de Família e surpreenda-se!


Imagem obtida na Internet no sítio:
(acesso em 16/01/2015)

Para mais informações sobre a especialidade, acesse o sítio da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade:

Comentários

  1. Texto sensacional Dr Bruno!!! Parabéns!!!
    Me identifiquei enquanto lia..

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  2. Dra Heidi, você é uma das Médicas de Família que certamente me inspiraram a escrever esse texto. É competente, dedicada, estudiosa e acolhedora com seus pacientes e com todos que te rodeiam.
    Obrigado pela amizade duradoura e pela troca de experiências de imensurável importância naquele ano de 2009 em que trabalhamos tão próximos!
    Grande abraço

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  3. Caro Dr. / Ten Bruno
    Enquanto lia seu texto, lembrava de um médico que conheci há muitos anos.
    Certa vez, ele comentou comigo que, para entender melhor sobre a condição de um paciente, "conheça-o primeiro". Ele dizia que as especialidades médicas se complementavam. Sua ênfase tinha por fundamento utilizar experiência e conhecimento. Era interessante a maneira como argumentava, isto é, tinha formação médica, mas, atuava como psicólogo, amigo do paciente e, algumas vezes, envolvia-se com os familiares dos pacientes.
    Fico feliz pela lucidez como tem abordado em seus textos.
    Fica mais claro entender sobre os assuntos colocados para reflexão mesmo sem pertencer ao quadro de saúde.
    Abraço.
    William Amaral.

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  4. Caro amigo Major William,
    Fico feliz que a linguagem esteja sendo clara também para aqueles que não são profissionais de saúde, pois este é um dos meus objetivos principais com este blog.
    E me contento mais ainda em tomar conhecimento da existência de outras pessoas que seguem a linha de cuidado em que eu acredito.
    O ponto crucial é que todos nós, médicos ou não, profissionais de saúde ou não, podemos, a depender de nossas atitudes, ser agentes facilitadores de saúde ou de doença para nós mesmos e para os outros.
    Forte abraço.

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