Mitos e verdades sobre a terapia psicanalítica

Muitas pessoas têm dúvidas e desconfianças relacionadas à psicanálise, algumas vezes simplesmente por medo de algo que desconhecem, noutras em consequência de depoimentos falaciosos sobre esse tipo de abordagem, geralmente proferidos por quem nunca viveu a experiência. Minha proposta no presente artigo é esclarecer pontos importantes relativos à terapia psicanalítica, utilizando uma linguagem fácil, pensando também em acessar quem é leigo ou iniciante no assunto. Ao terminar sua leitura, fique à vontade para usar o espaço dos comentários e me contar se consegui atingir o objetivo.

Vamos começar pelo título escolhido, que traz propositalmente uma pequena polêmica: a psicanálise é ou não é um tipo de terapia? Em diversos de seus escritos, Freud disse que sim. Considerando que foi ele quem criou a psicanálise, penso que não seja necessário nos debruçarmos tanto sobre essa questão. Respeito os colegas que preferem dizer que a psicanálise é outra coisa (práxis, método, técnica, processo, experiência, etc.), mas eles hão de concordar que o principal objetivo de quem procura uma análise é encontrar um tratamento para o mal estar e seus sintomas. E que, de fato, ela promove efeitos terapêuticos, ainda que secundários.

Por outro lado, não há polêmica entre os psicanalistas em admitirem o inconsciente como um dos conceitos fundamentais da Psicanálise. Nas palavras do próprio Freud, a suposição do inconsciente é necessária e legítima, e possuímos várias provas de sua existência. Ela é necessária porque os dados da consciência têm muitas lacunas; tanto em pessoas sadias como em doentes verificam-se com frequência atos psíquicos que pressupõem, para sua explicação, outros atos, de que a consciência não dá testemunho. Esses atos não são apenas as ações falhas e os sonhos dos indivíduos sadios, e tudo o que é chamado de sintomas e fenômenos obsessivos na psique dos doentes — nossa experiência cotidiana mais pessoal nos familiariza com pensamentos espontâneos cuja origem não conhecemos, e com resultados intelectuais cuja elaboração permanece oculta para nós. (trecho de O Inconsciente, publicado por Freud em 1915)

Quando falamos do inconsciente freudiano, não estamos nos referindo a um lugar, mas sim a uma instância psíquica. Em palavras mais simples, podemos dizer que o inconsciente é uma parte da nossa mente. A propósito, as neurociências já comprovaram que Freud estava certo e que mais de 90% da nossa atividade mental é inconsciente. E por que algo que não nos é consciente teria importância? Porque as formações do inconsciente, que são inúmeras, têm influência direta em nossas vidas, e muitas vezes são formações que nos impedem de desfrutar a vida. Isso ocorre principalmente quando o inconsciente se manifesta na forma de sintomas e repetições que aprisionam os potenciais de cada um. A psicanálise propicia-nos reconhecer e pensar sobre tais formações. Consequentemente, o trabalho analítico bem feito pode nos livrar de diversas amarras inconscientes. 

A compreensão do inconsciente nos oferece um bom gancho para começarmos a falar de mitos que rodeiam a psicanálise. Um dos maiores mitos sobre a terapia psicanalítica é a afirmação de que nela tratamos apenas do passado. Não! Na psicanálise trabalhamos com a associação livre de ideias. Sendo assim, claro que fatos do passado vêm à tona em muitas sessões, mas também se analisa muito o presente, inclusive a respeito de angústias atuais que podem ser repetições do passado, e pensa-se sobre o futuro, com seus quereres e sonhos que moldam o presente. Na verdade, para o inconsciente a noção de tempo não existe.

Também existem mitos relacionados à figura do psicanalista, que no imaginário de alguns é um profissional pouco ou nada afetuoso. Claro que há estilos diversos de analistas, todavia não é proibido demonstrar afeto. A ideia de que o ofício da psicanálise deva ser exercido com frieza é equivocada, em especial nos dias atuais. Na abordagem psicanalítica contemporânea, expressar afeto, acolher o sofrimento e demonstrar empatia são práticas muito apropriadas, desde que o terapeuta não se esqueça que elas não autorizam seu ego a entrar no cenário analítico.

Outro ideia equivocada é considerar que o analista não fala muito durante a sessão. Tenhamos em mente que a palavra é um dos recursos mais importantes para o analista intervir, questionar, interpretar, acolher e de certo modo até sugerir, sem sugestionar. Porém, é essencial que o terapeuta, valendo-se da psicanálise, compreenda quando a situação demanda que ele fale mais, escute mais ou apenas permita o chamado silêncio elaborativo ao paciente. 


Um questionamento que costuma vir à tona sobre a psicanálise, particularmente a partir de seus críticos, seria a suposta demora para ela mostrar resultados. Na prática, todavia, geralmente os analisantes mencionam que alguns efeitos das sessões começam a surgir já nas primeiras semanas de tratamento. Obviamente nenhuma psicanálise tem resultados previsíveis ou é garantia de que você alcançará objetivos específicos dentro de um prazo determinado, mas é fato que mudanças acontecem, ainda que o tempo para isso seja muito variável em cada caso, dependendo de inúmeros fatores. Além disso, há um certo consenso de que hoje os psicanalistas não devem se propor a oferecer tratamentos intermináveis.

Para concluir, há um mito de que a terapia psicanalítica seria algo defasado. Ao contrário, a psicanálise adaptou-se à realidade atual e leva em conta as particularidades do mundo contemporâneo. Diversos livros, artigos e teses da área comprovam isso. O próprio Freud deixou evidente que o conhecimento psicanalítico não era estanque e anteviu que mudanças ocorreriam, atreladas, por exemplo, às mudanças na sociedade e ao avanço da ciência. Neste cenário pós-moderno, terapeutas que trilham os caminhos iniciados por Freud, e consequentemente inventam novas estradas a partir dele, esperam que seus pacientes possam, através da experiência analítica, modificar sua estrutura subjetiva, desenvolvendo e fortalecendo recursos emocionais para seguirem suas vidas de um modo mais leve, durante e após o término do processo.

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As imagens utilizadas nesta publicação foram obtidas livremente na internet, respectivamente, nos seguintes endereços eletrônicos:

https://www.blogs.hss.ed.ac.uk/language-mind/2016/05/25/psychoanalytic-study-literature/

https://br.pinterest.com/cyhsy/psychoanalysis-art/

https://www.goodtherapy.org/learn-about-therapy/types/psychoanalysis

[acesso em 12 mai 2022]

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