Honrar pai e mãe?

Mãe, Pai e Bebê - Lovetta Reyes

Uma colega psicanalista recentemente publicou nas redes sociais a ideia de que "honrar pai e mãe" seria uma "lógica cristã" com impactos negativos na vida de filhos que crescem em lares violentos e abusivos. Esses filhos, além de medo, poderiam se sentir culpados em se afastar da família. De fato, o argumento que ela utilizou para questionar o mandamento bíblico tem lógica e alguma consistência no contexto de famílias violentas. No entanto, precisamos colocar a citação na perspectiva adequada e, levando em conta que nossa proposta é pensar psicanaliticamente, façamos também uma reflexão neste sentido sobre o tema.

Primeiro, o mandamento de honrar pai e mãe não é exatamente uma “lógica cristã”, pois se encontra na Torá, texto central do judaísmo (claro, Jesus também era judeu, mas muita gente nem sabe disso). Segundo, não é prudente ler o trecho fora do contexto em que está inserido nas sagradas escrituras, onde se lê:

Honre o seu pai e a sua mãe, a fim de que você tenha vida longa na terra que o Senhor, o seu Deus, lhe dá. Não assassine. Não adultere. Não furte. Não dê falso testemunho contra o seu próximo. Não cobice a casa do seu próximo. Não cobice a mulher do seu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao seu próximo. (Êxodo‬ ‭20‬:‭12‬-‭17,‬ ‭NVI‬‬)

Então vejamos. A palavra “honrar”, no enredo bíblico, significa reconhecer e respeitar o valor intrínseco de alguém. Se alguém tem um pai e/ou uma mãe violentos, provavelmente não encontrará muita coisa que possa honrar em seus genitores. Mas quando estamos a falar de figuras paterna e materna, seja na Bíblia ou fora dela, sabemos, pela psicanálise, que cada um de nós provavelmente encontrará homens e mulheres que ocuparam ou ainda ocupam esses lugares e que valem a pena ser honrados, mesmo não sendo nossos pais biológicos.

As funções materna e paterna são tão essenciais para os seres humanos que não é arriscado dizer: sem algum cuidado materno, simplesmente não sobreviveríamos nem ao primeiro dia de vida, e sem alguma lei advinda do pai não haveria possibilidade de convivermos em sociedade. Honremos mãe e pai.

Bruno Guimarães Tannus
psicanalista e médico especialista em Medicina de Família
CRM-PR 25429 / RQE 35797



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