De onde vêm as convulsões?
Recentemente, a RBS TV, filial da Rede Globo em Santa
Catarina, exibiu uma matéria mostrando uma mulher jovem com diagnóstico de
epilepsia. Ela teria obtido na justiça, em primeira instância, o direito de
receber do Estado o “tratamento” com canabidiol para sua doença. A reportagem foi algo tendenciosa em celebrar a decisão judicial favorável à mulher. Entretanto, há incongruências bastante relevantes nesta decisão, bem como um certo reducionismo em torno do tratamento da epilepsia. Vejamos por quê.
A primeira inadequação sobre obrigar o Estado a custear a
prescrição do canabidiol, um derivado da Cannabis
sativa, famosa maconha, reside no
fato de que, segundo o UpToDate® (www.uptodate.com),
respeitadíssimo sítio de informações médicas baseadas nas melhores evidências
científicas disponíveis atualmente, não há dados de ensaios clínicos
controlados que indiquem a existência de eficácia dos canabidinoides no tratamento
das epilepsias, menos ainda da erva in
natura. Como se não bastasse, as formulações farmacêuticas de canabidiol hoje
disponíveis são produzidas por apenas um laboratório e, consequentemente,
vendidas por uma módica quantia: aproximadamente 9.000 Reais mensais. Adivinha
quem paga esta conta?
Prestados os esclarecimentos acima, proponho aqui tentarmos
entender a epilepsia de maneira integral, superando o reducionismo. Para começar, vale a pena diferenciar
epilepsia de crise epiléptica, pois muitos leitores talvez não estejam
familiarizados com esses conceitos e pensem que se tratam da mesma coisa. É fato que há uma relação entre ambos os
conceitos, mas uma crise epilética pode ocorrer mesmo em quem não tem
epilepsia.
Fala-se de crise epiléptica simplesmente quando alguém
apresenta uma atividade anormal dos neurônios cerebrais, habitualmente
excessiva, a qual provoca a ocorrência de sinais e/ou sintomas repentinos e
transitórios; estes podem ser de muitos tipos, incluindo alterações da consciência,
espasmos musculares focais e as conhecidas convulsões, tão temidas por muitas
pessoas.
Resumidamente, as crises epilépticas podem ser de dois
tipos: provocadas ou não provocadas. As primeiras estão relacionadas a qualquer
insulto recente, físico ou químico, à estrutura normal do cérebro, por exemplo, infecção, acidente vascular cerebral, trauma, tumor intracraniano, intoxicação ou abstinência aguda de álcool. As crises epilépticas não provocadas, por sua vez, ocorrem na ausência de um fator agudo precipitante.
Para que alguém receba o diagnóstico de epilepsia é preciso que apresente uma condição cerebral de predisposição duradoura a sofrer crises epilépticas não provocadas; a pessoa que tem essa doença costuma ter apresentado duas ou mais crises epilépticas ao longo de sua vida. Em alguns casos, a epilepsia decorre de fatores clínicos remotos, como a injúria cerebral sofrida por indivíduos com paralisia cerebral, geralmente em tenra idade.
Para que alguém receba o diagnóstico de epilepsia é preciso que apresente uma condição cerebral de predisposição duradoura a sofrer crises epilépticas não provocadas; a pessoa que tem essa doença costuma ter apresentado duas ou mais crises epilépticas ao longo de sua vida. Em alguns casos, a epilepsia decorre de fatores clínicos remotos, como a injúria cerebral sofrida por indivíduos com paralisia cerebral, geralmente em tenra idade.
Agora que os amigos leitores conhecem melhor sobre crises
epilépticas, convido-os a voltarmos nossa atenção para as pessoas que sofrem de
epilepsia não provocada e sem um fator clínico remoto, como a moça da reportagem citada que acredita ingenuamente
ser o canabidiol a sua grande esperança de tratamento. Um adendo: essa moça que está nos servindo de exemplo não apresenta, a priori, comprometimento intelectual, tendo em vista que cursa ensino superior, conforme afirmava a matéria do telejornal.
As crises epilépticas não provocadas e sem fatores clínicos remotos podem ser subdivididas em idiopáticas, quando há herança familiar, e criptogênicas, quando não há padrão genético identificável. Havendo ou não genes envolvidos, o que considero intrigante sobre essas epilepsias é que a medicina tradicional mostra-se um tanto quanto preguiçosa e acomodada perante seu tratamento.
As crises epilépticas não provocadas e sem fatores clínicos remotos podem ser subdivididas em idiopáticas, quando há herança familiar, e criptogênicas, quando não há padrão genético identificável. Havendo ou não genes envolvidos, o que considero intrigante sobre essas epilepsias é que a medicina tradicional mostra-se um tanto quanto preguiçosa e acomodada perante seu tratamento.
Salvo raras exceções, os neurologistas que acompanham
pacientes com epilepsias não provocadas limitam-se, na maior parte de seu tempo, a
indicar anticonvulsivantes aos seus pacientes. Isto é tratamento ou apenas controle
de sintomas? Fico com a segunda opção, pois considero que ter epilepsia e se
contentar apenas em tomar anticonsulsivantes é o mesmo que ter depressão e achar
que a cura da doença será obtida com a mera ingestão de antidepressivos. Estas
são atitudes que alimentam o engano de pessoas que insistem em não conhecer a si mesmas.
Claro que as medicações têm o seu papel e muitas vezes são
importantes, pois os sintomas de uma doença podem exacerbar-se ao ponto de impossibilitarem
que a pessoa execute suas atividades diárias rotineiras. Contudo, os sintomas
sempre querem nos dizer algo, nos mostrar aquilo que não conseguimos expressar em
palavras. Estas coisas não ditas comprometem o equilíbrio de nossas emoções
internas e manifestam-se corporalmente sob a forma de sintomas; simplesmente
calá-los através de uso isolado de medicações, negligenciando seus significados, não trará
cura ou solucionará os problemas de alguém. Entender a linguagem dos sintomas,
isto sim, poderá ser libertador. E a verdadeira liberdade necessita do verbo e
da honestidade para ser alcançada.
Especificamente sobre a doença que pensamos no presente
texto, se durante uma crise epiléptica a atividade neuronal está desorganizada,
isto simboliza, sob a ótica metafísica, uma falta de organização interna. A
capacidade de organizar-se internamente é fundamental para que um ser humano consiga
transformar potencialidades em habilidades, no entanto essa é uma qualidade deficitária nas pessoas que sofrem de epilepsia. A confusão psicológica interior provavelmente
afeta a química do cérebro, intensificando sinais nervosos que exacerbam a
musculatura, provocando as crises convulsivas. Estas surgem como uma maneira
violenta de descarregar pressões geradas por emoções reprimidas.
O epiléptico sente-se impossibilitado de se expressar, mas, se ele insiste em não falar com a boca, a convulsão acaba falando por ele. Conquistar a estabilidade emocional e a habilidade de organizar sua própria expressão, portanto, representam os principais desafios a serem encarados pelas pessoas que têm a epilepsia como companheira. Para isso é fundamental a observação de si mesmo, percebendo, admitindo e nomeando os próprios desejos. Fazer tudo isto sozinho pode ser bem difícil, mas, graças ao intelecto de Freud, a psicanálise está aí, disponível para guiar aqueles que têm coragem de enfrentar as próprias mazelas psíquicas na árdua estrada da libertação.
Imagem obtida na internet no sítio:
(acesso em 10/04/2015)
Caro Bruno.
ResponderExcluirInicialmente, sugiro que você não deixe suas publicações se perderem. Uma outra sugestão é transformá-las em "livro" para que os jovens iniciantes da medicina possam ter acesso às preciosas argumentações.
Tive um colega (um Capitão da arma de Comunicações), extremamente equilibrado e inteligente. Certa vez sua filha que, na época, contava com seis anos teve uma severa colusão vindo a falecer. Lembro que os médicos diagnosticaram o caso como "crise epilética". Após esse triste evento, o Capitão despencou no abismo da depressão passando a "ingerir grande quantidade de medicamentos para controle". Um ano depois ele faleceu...
Sua publicação é muito rica em argumentos. O fato do "corpo falar" o que não temos meios, ou não podemos, ou não conseguimos, ou que nos causa constrangimento, .... é fantástico para que possamos ouvir com a alma e buscar a cura. Pena é a falta de conhecimento interior que, muitas vezes, se torna conveniente. Pena, também, que assumimos as consequencias pela ausência de coragem passando a suportar o peso do desequilíbrio "flagelando o corpo, os pensamentos e a alma". Obviamente, existem aqueles que, de fato, desconhecem seus próprios dramas e sofrem as consequencias sem combater as causas.
Parabéns !!!
Muito obrigado por permitir compartilhar suas publicações.
William Amaral.
Caro Major William,
ExcluirAcredito que o senhor apontou algo muito importante em seu comentário: muitas vezes a falta de conhecimento interior torna-se conveniente às pessoas. A inércia pode ser verificável em diversas áreas da vida, pois qualquer tipo de mudança exige esforço, mas especificamente sobre a saúde, nos mantermos inertes trará consequências adversas, cedo ou tarde.
Recentemente li um artigo muito interessante, no qual o autor argumentava que saúde custa caro, não essencialmente no sentido financeiro, mas no sentido de que para ter saúde são necessários comportamentos saudáveis, que exigem atitudes que muitas pessoas não estão dispostas a tomar: atividade física regular, alimentação equilibrada, direção defensiva no trânsito (ou o simples respeito às leis, como o senhor mencionou no mais recente texto de seu blog), reaproveitamento do lixo, respeito ao meio ambiente, engajamento em prol da coletividade, amor ao próximo, entre outras coisas.
Sobre o Capitão mencionado em seu comentário, não sei de toda a história, mas é possível deduzir que a alma dele tenha vivido um sofrimento muito profundo que não foi de fato compartilhado e acolhido. Estejamos atentos. Às vezes a pessoa que precisa falar sobre seus sofrimentos está bem ao nosso lado e a gente não dá uma oportunidade simples para que ela seja ouvida com interesse genuíno.
Obrigado pela motivação em seus comentários!
Abraços
Olá Dr Bruno
ResponderExcluirParabéns pelo seu trabalho. O fato é que a crise convulsiva é uma visão aterradora pra quem é leigo. Por isso mesmo ela já foi tratada com exorcismos, poções mágicas e agora os canabinóides da moda. O que a gente precisa ficar de olho é no lobby que existe pra se encontrar algum uso medicinal para a maconha. Assim a sociedade poderia legalizá la sem tanto peso na consciência. Matérias de telejornal são feitas para chamar a atenção. Se este uso dos canabinóides fosse comprovadamente terapêutico, sem outras alternativas, eles viriam em comprimido. Abração. Ten Stark
Caro Tenente Stark,
ExcluirÉ uma grande satisfação poder ver seu comentário aqui. Também aprecio o trabalho no seu blog e acredito que precisamos de "heróis" no Brasil que ajudem as pessoas a pensar de maneira mais crítica nossa realidade social.
Muito pertinente esse apontamento sobre o lobby em torno da maconha. Sabemos que ele existe também em relação a muitas outras substâncias, gerando rios de dinheiro à indústria farmacêutica, especialmente aos detentores de patentes. Essa indústria, sem dúvida, tem contribuído com a saúde, mas é preciso estarmos alertas para a tênue linha que separa o desejo de lucrar da intenção de ajudar pessoas.
Abração