O homem que sobreviveu ao câncer
A história que se segue é real, por isso os nomes dos personagens foram omitidos, em consideração ao sigilo médico. Eles serão chamados por seus postos, pois ambos são militares: o Capitão e o Tenente.
Certa vez o Capitão consultou-se com o Tenente médico por
estar sofrendo de dores abdominais intensas. O Tenente prontamente prescreveu
analgésicos, visando o conforto momentâneo de seu paciente, e buscou, através
da história clínica e do exame físico, determinar a possível causa para
aquelas dores. O Capitão contou que, em diversas outras ocasiões, apresentara
crises de cólicas como as sentidas naquele dia, sendo já conhecido o fato de ter calculose das vias urinárias. O Tenente, levando em consideração esse relato, e averiguando uma semiologia compatível, diagnosticou que aquela era
provavelmente uma nova crise de dor por deslocamento de cálculo. Sua hipótese
diagnóstica se confirmou através de uma tomografia computadorizada do abdome, a
qual mostrava um cálculo, pouco maior que um centímetro, impactado na porção
inferior do ureter direito.
O Tenente, especialista em Medicina de Família, sabia que
precisaria da ajuda de um médico Urologista para resolver o problema do
Capitão, pois cálculos daquele tamanho não poderiam ser expelidos
espontaneamente ou apenas com medidas clínicas. Assim sendo, ele o encaminhou
para ser avaliado pelo especialista focal. Contudo, passaram-se algumas semanas
até que o Capitão fosse finalmente submetido ao procedimento cirúrgico que
resolveria seu problema urológico, ao menos temporariamente. Nesse tempo, ele e
o Tenente voltaram a se encontrar diversas vezes, pois o Capitão teve muitas
crises de dores, nauseantes, que precisaram ser medicadas de maneira mais
agressiva.
Os sucessivos encontros entre o Capitão e o Tenente serviram não
apenas para aplacar a dor física do paciente, pois esse médico entendia que
ouvir atentamente, com genuíno interesse, sobre a vida de seu paciente, também poderia funcionar como um precioso analgésico. Sucessivas conversas possibilitaram que
o relacionamento profissional entre os dois também desse espaço a um sentimento
fraternal, e assim tornaram-se amigos. Descobriram, com a amizade, que
tinham coisas em comum, especialmente seus valores familiares e a fé em Deus.
O Capitão, um sujeito com mais de 50 anos na ocasião,
relatou ao Tenente, antes de ser encaminhado para o procedimento que trataria seu cálculo urinário, que estava perdendo peso de uma maneira que considerava
anormal. Considerando que o Capitão estava com o apetite diminuído, em
consequência das recorrentes crises de cólicas, o Tenente pensou que essa era uma
boa explicação para a perda ponderal. No entanto, lembrou que a possibilidade de
um câncer devia ser descartada, e assim solicitou uma colonoscopia, sabendo que a
neoplasia do intestino grosso é uma das mais comuns na faixa etária de seu
paciente. Ele sabia também que, habitualmente, esses tumores de cólon não
poderiam ser vistos através de uma tomografia de abdome, como aquela à qual
recentemente o Capitão havia se submetido, que mostrava seus órgãos
intra-abdominais normais, à exceção do ureter direito com o cálculo.
Antes que a colonoscopia pudesse ser realizada, resolveu-se o problema do cálculo ureteral do Capitão. Alguns dias depois, no entanto, ele se sentiu muito mal durante uma noite, novamente com dores abdominais e nauseas. Dessa
vez ele também desenvolveu subitamente uma enorme ascite, ou seja, um acúmulo
de líquido dentro da cavidade abdominal, geralmente decorrente de problemas no
fígado. Como era noite, o Capitão procurou auxílio numa emergência hospitalar e
foi internado para investigação. Uma nova tomografia de abdome foi realizada,
naquele momento pouco mais de três meses após a anteriormente mencionada.
Inesperadamente, o exame complementar mostrou uma grande massa no pâncreas,
obstruindo as vias de saída do fígado, muito sugestiva de um câncer. E esta
hipótese veio a se confirmar após uma biopsia do pâncreas.
A notícia chegou como uma bomba ao Tenente. Logo que possível ele foi até o hospital onde o Capitão estava internado. Lá chegando,
o médico ficou surpreso, pois o encontrou muito sereno, sorridente e otimista,
dizendo: “Deus é comigo, fique tranquilo”.
A descoberta da doença trouxe muitas mudanças à vida do
Capitão. Nas semanas que se seguiram, ele não conseguiu voltar ao trabalho,
pois se sentia muito fraco. Seu corpo perdia peso progressivamente.
Nauseas e vômitos eram frequentes em decorrência das sessões de quimioterapia.
A esposa e os demais familiares do Capitão viram-se numa nova rotina, a do
cuidado em período praticamente integral a uma pessoa enferma.
O Tenente passou a visitá-lo regularmente para auxiliá-lo com intercorrências clínicas, mas especialmente para saber como ele
se sentia, para ouvi-lo. Às vezes o Capitão apenas pedia ao Tenente: "Ore por mim". Com as muitas idas à casa do Capitão, o Tenente
conhecia mais sobre a história de vida daquele homem, que buscou viver até ali
em conformidade com preceitos de Deus: bondade, honestidade, perseverança e amor
pelas pessoas.
Semana após semana, o câncer visivelmente tomava conta do corpo do Capitão, mas jamais tomou sua alma ou diminuiu sua alegria. Ele tinha uma certeza que continuava inabalável: "O Espírito Santo está comigo". Esta crença verdadeira ficava evidente no fato de que o Capitão não temia a morte física. E ela veio. Poucos meses após o diagnóstico, o Capitão deixou este mundo.
No dia de em que seu corpo foi velado, o Tenente observou que os familiares, amigos e colegas de trabalho que se reuniram em homenagem a ele não derramavam lágrimas por tristeza ou indignação, mas sim pela saudade que o Capitão deixaria em suas vidas. O Tenente conversou com algumas pessoas naquele dia e percebeu que todas tinham histórias de gratidão para com aquele guerreiro, que agora partia.
Notando o conhecido semblante sereno, estampado no
rosto do Capitão até mesmo no momento de adeus, o médico compreendeu que seu paciente e amigo realmente estava em paz. O médico também foi grato pela experiência de
imensurável valor, sobre o sentido da vida e o entendimento da morte não como
um fim, que lhe foi proporcionada por ter conhecido o Capitão e pelo privilégio
de ter sido seu médico e amigo. E o Tenente chorou.
O Capitão morreu, mas de certa forma permaneceu vivo, muito vivo. Isto ficou bastante nítido nas marcas profundas que ele esculpiu, com seus exemplos e atitudes, no coração das pessoas que com ele conviveram, e na fé que ele professou durante sua vida. O câncer, portanto, não o venceu. No oportuno versículo bíblico que foi exibido na despedida do Capitão, Jesus diz: "Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá." (João 11:25)
Nossa Tentente...sem palavras. Me fez parar e refletir como é importante continuarmos a buscar viver uma fé viva!!!
ResponderExcluirMinha grande amiga Heidi Kruklis,
ExcluirMeu desejo é para que não percamos o foco dessa busca!
Grande abraço
Caro Bruno
ResponderExcluirUma história que, pelos próprios personagens, poderia se transformar em livro.
Imagine o Capitão, desde o berço, absorvendo referências familiares, escolares, na Força...
Esse “Guerreiro” foi “forjado” pela vida.
Os “Fortes” sabem viver e não temem a morte.
Os “Fortes” encaram a verdade de frente e, diante das maiores dificuldades, buscam o equilíbrio, pois, são humildes, honestos, disciplinados e, acima de tudo, leais.
Os “Fortes” não se envaidecem, pelo contrário, sabem que são “instrumentos” de Deus.
Não tenho dúvida que o Capitão tinha consciência de tudo isso e, por essa razão, mesmo no “momento derradeiro” aparentava serenidade. Também, não tenho dúvidas que foi recebi pelo Pai de braços abertos...
Sobre o Tenente, este, também, portou-se como “Guerreiro”. Apesar de, ainda jovem, “cumpriu a missão”. Além do que lhe competia como médico, soube assistir o Capitão com dignidade e respeito. Não só respeito à pessoa dele, mas, pela própria carreira... O Tenente sabe que abraçou um sacerdócio.
Quando o Tenente se emociona, mostra-se “Forte e Guerreiro”.
Os Fortes “temem a Deus”; demonstram emoção diante das provas e, a história e serenidade do Capitão sem NUNCA ter blasfemado, de verdade, emociona o “Bom Combatente”.
Aproveito para contar que, também, fiquei muito emocionado pela morte do Cabo Mikami (outro Guerreiro que está, agora, sob o Comando de Deus).
Parabéns pela maturidade intelectual, moral e religiosa.
Obrigado por permitir compartilhar com você suas publicações e ensinamentos.
Caro Major William,
ExcluirSou eu quem agradeço por seu apreço e encorajamento aqui. E também por sua ajuda em outras áreas!
Grande abraço
Parabéns pelas suas palavras tão sabiamente escritas! Lindo texto, linda mensagem! ;-)
ResponderExcluirMeu desejo ao compartilhar essa mensagem é que ela possa impactar positivamente outras vidas, assim como fez comigo.
Excluir